quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A sócia que trabalhava

Um ano sem Nedy de Fátima Pinheiro Fedrigo

Faz um ano que perdemos Nedy, em 16 de setembro de 2008. Foi uma mulher que lutou e trabalhou para seus sonhos, que ela conquistou. Sua coragem, inteligência, e alegria foram à altura de todas os desafios que a vida lhe aprontou. Este obituário saiu no Jornal Olho Nu ano passado.

Uma figura sempre presente na Colina da Sol era Nedy de Fátima Pinheiro Fedrigo. "Nê" morava nas terras antes que a Colina surgisse, e seu filho Luciano morou durante anos na Colina, com os três netos da Nedy. Ela trabalhou para os fundadores da Colina, Celso Rossi e Paula Andreazza, no restaurante, e para Fritz Louderback e Barbara Anner, um total de 12 anos na Colina, até sua morte no dia 16 de setembro de 2008, aos 52 anos.

O velório ficou cheio o dia inteiro, e às 17:00 mais de cem vizinhos estavam presentes, quando ela foi sepultada num túmulo simples da pedra nativa de Morro da Pedra, cercado pelos morros verdes da serra gaúcha.

Sócia sem desfrutar

Apesar da sua longa associação com a Colina, Nedy não era naturista. Ela diz que era por falta de tempo. "Eu nunca tirei, sou sócia mensalista, mas minha vida é só trabalhar, nunca tinha tempo de participar."

Até antes da morte do seu marido Gentil, em janeiro de 2004, ela era o sustento da família, por que ele estava doente de longa data. "Só de banheiro limpava oito por dia. Queria que meus filhos nunca tivessem queixa de mim", ela explicou.

Mas seus filhos e netos desfrutaram do clube e do naturismo. "Desde pequenos Cristiano e Roberto nunca tinham problema em tirar a roupa. Na praia, esportes, quadro de vôlei, futebol, nunca tinha problema."

Presente antes do começo

O histórico da Nedy com a Colina do Sol começou quando apareceu serviço num chácara, onde depois surgiu a Colina do Sol. Quando os donos venderam as terras para Celso Rossi, ela foi morar em Morro da Pedra.

Em 1996 ela começou a trabalhar na casa de Paula Andreazza e Celso Rossi, vindo de Morro da Pedra às seis da manhã e voltando às seis da noite. "Fiz todo trabalho da casa. Comecei cuidando da Valentina, filha da Paula, quando tinha três anos, e parei quando tinha onze – foram oito anos de trabalho com Celso e Paula."

Em 1998, trabalhou também na restaurante Tutto Bene na Colina, que também era da Paula. "Ficava até 11:00 com Paula, das 11:00 às 2:00 no restaurante, e das 2:00 em diante de volta na casa de Paula."

Nedy demonstrou uma certa saudade do tempo em que Rossi e sua esposa tinham poder total dentro da Colina. "Paula era exigente, brava, mas conseguiu domar aquela aí – mas não permitia briga aí dentro. As regras valiam para todos, não só para os outros."

Preconceito econômico

Nedy sentiu preconceito dos outros sócios. "Eu ando com meu saquinho e meu chinelo de dedo porque não tenho tempo para desfrutar," ela diz "Nunca briguei, nunca discuti, nunca fiz nada que prejudicasse o clube. Mas nunca me aceitaram como sócia. Aceitavam meu pagamento todo mês, mas não me aceitam."

Ela não tinha vergonha de trabalhar, explicando que, "Colina é para ser 'uma empresa de marca'. Tem os que acham que morar dentro é uma grandeza, por causa da marca. Mas também precisam trabalhar. Vão sobreviver do ar, do lago?"

História particular

Nedy só fez até a quinta série, em Palmeira das Missões, de onde ela veio já grávida de Cristiano, para Figueira, e se fixou no Morro da Pedra quando Cristiano tinha um ano de idade. Seu marido Gentil trabalhou nas pedreiras da região, mas já estava doente quando saíram do sítio que foi vendido para ser a Colina.

Ela conseguiu sua casa própria em Morro da Pedra comprando primeiro o terreno de 600 m2, pagando em prestações mensais. A madeira foi comprada da mesma maneira, e a casa foi levantado com um mutirão dos vizinhos num fim de semana em 1997. "Primeiro paguei as prestações de casa na madeireira, depois paguei o terreno. Os dois juntos não dava."

Fritz e Barbara

Ela conheceu Fritz Louderback e Barbara Anner quando comiam no restaurante da Colina, onde ela trabalhava. Fritz estava precisando um jovem para limpar o jardim, partir lenha com machado, lavar a caminhonete, e outras trabalhos ocasionais. "Eu fui levar um suco, e Celso disse, 'E ai Nê, seu filho quer trabalhar para Fritz?'"

O casal foi para os EUA pouco depois, porque Bárbara não estava bem de saúde, e queria alguém para cuidar dos gatos, ela explicou. "Comecei trabalhando para os gatos de Fritz, não para o Fritz."

Na volta, gostaram do trabalho, e ela começou a trabalhar na sua casa no 1º de janeiro de 2004. Pouco depois, Gentil, o marido de Nedy, sofreu um derrame em casa.

Luciano estava sozinho no corredor, chorando. Correu para a casa do Fritz para usar o telefone, e ele a levou para Porto Alegre, onde Gentil tinha sido levado, dado a gravidade. "Fritz ficou conosco até a noite em Porto Alegre. Gentil morreu em seis dias, e Fritz nos apoiou em tudo."

As prisões

Em 11 de dezembro de 2007, Nedy foi acordada com uma telefonema com uma notícia assustadora, de que Fritz e Barbara tinham sido presos. "Aí, eu subi e a mulher na portaria ficou surpresa: 'Você está indo lá?' Mas eu fui. O hóspede Alastair estava lá, estavam revirando tudo na casa, não dava para andar com tanta coisa no chão."

"E os gatos do Fritz? eu pensei. E fui ficar lá na casa deles." Quando Barbara ficou em prisão domiciliar em janeiro, Nedy continuou com ela.

Desprezo pelas acusações e os acusadores

Nedy, que trabalhava na casa de Fritz, tinha certeza que as acusações eram falsas. Por que foram feitos, então? "Todas estas pessoas da Colina [que fizeram acusações] tinham sido ajudadas por Fritz," ela disse. Quase todas deviam dinheiro para ele. E o primeiro acusador tinha um motivo mais doloso: sua esposa tinha fugido com o filho adotivo do Fritz.

Na festa da padroeira da igreja local, Nedy desprezou os acusadores com uma frase memorável: "Foi uma corja, indo atrás de um corno."

Vivendo em estado de sítio

Entrevistada na sua casa – aquela comprada em prestações – Nedy se mostrou descontente com seu exílio, de não poder cuidar da sua casa da maneira que ela gostaria. Não somente com isso, mas com a hostilidade constante dentro da Colina. "Eles estão pegando no meu pé," ela disse em abril, "Estou com medo que vão me prender, dizendo que eu sei de tudo na vida do Fritz."

A hostilidade tomou formas mais concretas. Por algumas semanas depois da volta da Bárbara para casa, Cristiano levava a mãe para o trabalho na casa da americana, especialmente quando tinha que carregar as compras. Um dia, o colineiro João Ubiratan dos Santos, conhecido como Tuca, "falou que se Cristiano fosse até lá na [casa da] Bárbara com o caminhonete, ele ia lá com duas testemunhas e denunciaria. Ai, Cristiano não veio mais." Comida e remédio precisavam ser levados pelo segurança da Colina, ou Nedy precisava carregar em sacos. Um apelo foi feito à juíza de Taquara para permitir que Nedy pudesse continuar entrando de carro para desempenhar seu trabalho, mas ela se negou a "interferir em assuntos internos do condomínio."

As ameaças começaram a tomar forma física. Uma busca de armas sem registro feita dentro da Colina em maio encontrou duas, uma dela nas mãos de Tuca. Tiros foram disparadas contra a casa na noite de 16 de agosto. Na tarde de 27 de agosto, em frente da casa de Bárbara, este mesmo Tuca xingou Nedy de pedófila, junto com seu filho Cristiano e um visitante, Silvio Levy.

Na tarde de 26 de agosto, Bárbara tinha deixado sua casa para uma audiência no Fórum de Taquara. Dentro da Colina, cuja portaria é guardada, alguém aproveitou sua ausência para plantar uma bomba incendiária na chaminé da casa. Na próxima vez que Nedy acendeu a lareira, dia 29, a bomba explodiu. Apenas a ação rápida do funcionário Pedro, que por sorte estava perto no momento, evitou que o fogo se alastrasse.

Os eventos acima foram relatados à polícia de Taquara. Foram feitos boletins de ocorrência, mas nenhuma providência oficial foi tomada.

A casa foi salva de um incêndio, mas Nedy foi avisada pelo médico que ela precisava se afastar da Colina e voltar a dormir em casa, ou corria perigo de vida. O estresse das constantes ameaças e o claro abandono pelo poder público, estavam fazendo mal a sua saúde.

Nedy não abandonou Barbara. Três ataques do coração a levaram embora. Mas quem a viu no hospital disse que antes do ataque final, ela estava otimista e brincalhã como sempre.

Sonhos realizados

A Colina do Sol ofereceu para Nedy, como para outros dos moradores de Morro da Pedra, uma visão do mundo maior, e sonhos de uma vida melhor para seus filhos. "Eu achava bonito Celso falando inglês no telefone," ela disse, "Meu maior sonho era um dos meus filhos aprender a falar inglês."

Mais do que uma visão, a obra social iniciada por seu filho Cristiano, e apoiada pelo Fritz e Barbara, permitiu que este sonho fosse realizado. Cristiano visitou no exterior uma família americana, com um filho da sua idade. Ganhou uma bolsa de estudos, e ficou dois anos em Nova Iorque. "Era meu sonho Cristiano falar inglês," Nê disse na entrevista em abril. "Quando Cristiano veio em dezembro, ele disse para mim, agora eu falo inglês bem, agora eu sei falar de verdade."

3 comentários:

  1. Saudades dessa grande guerreira. Em minhas meditações sua imagem é um guia de luz.

    ResponderExcluir
  2. A Nedy era muito batalhadora e não tinha papas na língua, falava o que pensava e quando queria, ela era muito transparente em tudo.
    Aliás ela sabia muito sobre tudo o que acontecia na Colina, tanto as coisas boas quanto as ruins...

    ResponderExcluir
  3. Também morei e trabalhei na Colina e fui sócia, porém para quem trabalha não há muito de diversão, pois há muito trabalho e também tinha de pagar a mensalidade igual (para trabalhar e morar), sócios pra que?

    ResponderExcluir