domingo, 30 de setembro de 2012

Psicologia e o massacre de inocentes

A semana de lembrança do massacre do Carandiru começou sexta-feira de manha com uma coletiva no Sindicato de Jornalistas. Um dos sobreviventes, Sidney Salles, estava presente numa cadeira de rodas. Respondendo perguntas da platéia, ele contou sobre o dia do massacre, de carregar corpos e pisar em poças de sangue de amigos. Mas na sua fala preparada, um dos horrores que ele escolheu contar ... era ser entrevistado por uma psicóloga.

Parece que para ganhar liberdade condicional, uma psicologa precisava atestar que ele estaria pronto para viver em sociedade. Chegou para a entrevista, e a psicóloga pediu que ele desenhasse um menino jogando bola, uma árvore, e chuva. Sidney então desenhou um menino jogando bola, uma árvore, e chuva.

A psicóloga examinou o desenho. Sidney tinha desenhado o menino jogando bola na chuva. A criança deveria ter sido desenhada debaixo da árvore protegido da chuva, a psicóloga explicou, simbolizando a maneira que sociedade protege as crianças. Sobre Sidney ela decretou que não estaria pronto para reintegração com sociedade, e iria ficar mais um tempo trancado.

Presente sempre nas acusações de abuso sexual de crianças é a figura do psicólogo/psiquiatra que atesta a "materialidade" do crime - de que a criança, realmente, sofreu abuso, e geralmente apontando também a autoria, quem a abusou. Há maneiras para evitar que estes profissionais produzam laudos deste tipo "Tábua Ouija" que manteve Sidney atrás das grades? Existem, sim. Mas não são sempre seguidas. Destacaremos hoje a qualificação profissional e formação, a experiência; e as normas do Conselho Federal de Psicologia. O assunto de independência fica para outra hora.

Qualificação profissional

Já notamos a atuação irregular da falsa psiquiatra Dra. Heloisa Fischer Meyer, que no caso Colina do Sol assinou laudos como psiquiatra, ainda que não tivesse esta especialização registrada no CREMERS,e nem teria como registrar: não tinha cursado nenhuma faculdade credenciada de psiquiatria.

Faz diferença? No laudo de uma das supostas vítimas, Régis, então já com 14 anos, o "laudo" da Dra. Heloisa deu muita importância para sua afirmação de que "veio para fazer uma denúncia" rapidamente corrigido para "depoimento". Ela se apegou neste "erro Freudiano" no estilo psiquiatria-do-boteco-da-esquina. A reação de um dos advogados foi, "É brincadeira??" Regis negou abuso para Dra. Heloisa; negou na Justiça; chegado aos 18 anos e livre da "proteção" do Estado, negou em cartório. Mas quatro inocentes ficaram treze meses presos, devido à "pegadinha" da falsa psiquiatra.

Na caça às bruxas da Catanduva, já descrevemos a atuação do psicólogo:

Na sentença, a dra. Sueli nota que o psicólogo Paulo, que encontrou sinais de abuso sexual em quase todas as 61 crianças de Jardim Alpino que examinou, tem mestrado e está fazendo doutorado. Ela deixa de notar que estes estudos avançados são em educação especial. (http://lattes.cnpq.br/6015371368541783). Ela dedica quatro páginas da sentença à ciência de psicologia, citando “Psicologia: Uma introdução ao estudo de psicologia”, “Vocabulário de Psicanálise”, “Dicionário Técnico de Psicologia”, e três livros editados mais de um século atrás.

Com todo respeito aos conhecimentos de direito da juíza, que podem ser profundos, suas citações de psicologia sugerem um conhecimento superficial da psicologia. E de psicologia, Paulo tem graduação e só. Se psicologia for mesmo uma ciência, nem a Juíza de Direto nem o psicólogo do Fórum são cientistas.

Experiência

A falta de experiência é uma característica recorrente dos "profissionais" nestes casos. Na caça às bruxas de Wenatchee, no estado americano de Washington, o policial Roberto Perez tinha feito um curso de poucas horas sobre abuso sexual, e seus livros do curso, apresentados num processo, mostraram nenhuma marca de leitura - ele os havia folheado, informou. A falsa psiquiatra Heloisa Fischer Meyer tinha feito um telecurso sobre abuso, que terminou no dia anterior às prisões do caso Colina do Sol.

No caso do Tio Ricardo de Vila Velha, eu consegui nomes de algumas das psicólogas envolvidas no caso, e pedi ao Conselho Regional de Psicologia de Espirito Santo se estejam inscritas como psicólogas no Conselho, e desde quando. Deixo claro que não sei o papel de cada uma, mas pelo menos uma das profissionais citadas abaixo, elaborou laudo apontando que as crianças da escola foram abusadas, e que Tio Ricardo era o abusador. As informações que recebi do Conselho são:

Ana Beatriz Fontes Venturim – Psicóloga Ativa, inscrita deste 2010.
Luciene de F. Lima – Psicóloga Ativa, inscrita deste 2008;
Lorena Queiroz Merizio Costa – Psicóloga Ativa, inscrita deste 2006;
Jaquelyne Mazoco Uliana – Psicóloga Ativa, inscrita deste 2010.

Não gostou do postagem? Pode pentear!
Notamos que as quatro pelo menos são psicólogas. Mas duas delas são inscritas por tão pouco tempo, desde 2010, que é importante saber em que mês foram inscritas. Pois, se for no final do ano, tiverem pouco mais de uma ano de experiência antes do laudo "confirmou abuso" e mandou o professor Ricardo para a cadeia. A sra. Lorena, inscrita em 2006, teve de cinco a seis anos de experiência. É suficiente? Sugiro que o leitor que ache suficiente, marque uma cirurgia, daquelas da vida ou morte, com um cirurgião com somente cinco anos de prática. Até se for Lorena que assinou, é muito pouco tempo de prática.

(Antes que eu receba críticas pela "violação do sigilo", sou jornalista pelo registro no Ministério de Trabalho e pela prática comprovada. Tenho o direito constitucional do sigilo da fonte. Se publico informações verdadeiras, quem não gostar pode pentear macacos.)

Resolução CFP Nº 010/2010

Além da formação e da experiência, psicólogos precisam agir conforme as normas do Conselho Federal de Psicologia. Em 2010 o Conselho editou a "Resolução CFP Nº010/2010", que "Institui a regulamentação da Escuta Psicológica de Crianças e Adolescentes envolvidos em situação de violência, na Rede de Proteção."

O que a Resolução estabelece como prática obrigatória nestes casos? Vamos focar no item II.2:

2.   O psicólogo, ao realizar o estudo psicológico decorrente da Escuta de Crianças e Adolescentes, deverá necessariamente incluir todas as pessoas envolvidas na situação de violência, identificando as condições psicológicas, suas consequências, possíveis intervenções e encaminhamentos.

2.1  Na impossibilidade de escuta de uma das partes envolvidas, o psicólogo incluirá em seu parecer os motivos do impedimento e suas possíveis implicações.

Obviamente, Tio Ricardo é uma das pessoas mais envolvidas na situação - ele está sete meses na cadeia devido aos pareceres de alguma ou de algumas destas psicólogas.

Elas o entrevistaram, antes de concluir que as crianças foram vítimas de abuso, e que ele foi o abusador?

Das informações que tenho, Tio Ricardo não foi escutado, não.

Igualmente, o professor de educação física Pablo em Mendes, RJ, não foi ouvido pelo psicólogo que fez o laudo que resultou na sua prisão.

"Deverá necessariamente incluir". O que acontece se o psicólogo não cumpre a resolução? Precisa pedir desculpas? Tipo, "Oi cara, desculpe que você ficou sete meses na cadeia e precisava rifar o carro para pagar o advogado, mas eu estava com preguiça de falar com você, a assinei o laudo assim mesmo?"

Não, vai um pouco além disso. A Resolução estabelece:

Art. 3º - Toda e qualquer atividade profissional decorrente de Escuta Psicológica de Crianças e Adolescentes deverá seguir os itens determinados nesta Resolução.

Parágrafo único – A não observância da presente norma constitui falta ético-disciplinar, passível de capitulação nos dispositivos referentes ao exercício profissional do Código de Ética Profissional do Psicólogo, sem prejuízo de outros que possam ser arguidos.

Não ter ouvido Tio Ricardo, não ter ouvido Pablo, não é coisa de "Desculpe, fui mal." É falta ético-disciplinar. Há sanções previstas pelo Código de Ética Profissional.

E há outras sanções. Poderiam ser processados civilmente, para os danos materiais que as vítimas dos seus laudos sofreram, e também pelos danos morais - de ficar meses na prisão, e ter a cidade inteira a ouvir que você come criancinhas, não é pouca coisa!

Sábado foi o sexto aniversário do acidente do Gol 1907. Vale lembrar que os dois pilotos americanos e vários controladores foram processados criminalmente, acusados de "inobservância de regra técnica da profissão". Não sou advogado, mas me parece que a Resolução CFP Nº 010/2010 é uma regra técnica de profissão, e que sua violação poderia resultar em processo criminal.

Vale para os dois lados

Imagino que vou ser criticado por esta postagem. Primeiro, para não ter ouvido as psicólogas. Bem, elas não ouviram Tio Ricardo. Se tiveram alguma defesa a oferecer, estou absolutamente disposto a ceder espaço aqui. Se um dia eu estiver em Vila Velha, e quem sabe conseguir acesso a cópias dos laudos, estaria disposto a entrevistar-las.

No caso da Colina do Sol, eu tenho os laudos da falsa psiquiatra Dra. Heloisa Fischer Meyer. São fajutos. Eu também tenho cópias dos laudos dos psiquiatras de verdade: baseado em informações falsas, escritos na forma copia-e-cola, errando até a data de nascimento de um dos periciados, também são fajutos.

Não precisamos acreditar cegamente nos laudos que apontaram abuso nas crianças de Vila Velha e de Mendes, só porque estão "sob sigilo de Justiça". As normas do Conselho Federal de Psicologia exigem que todas as pessoas envolvidas sejam entrevistadas. Não foram. Os laudos não seguem as normas, então, e presume-se que sejam inválidos. Examinando na luz da realidade, como no caso Colina do Sol, pode ser que eles se mostrariam, além de inválidos, fajutos.

O segundo motivo que eu serei criticado, é por sugerir que deveria haver consequências para autores de falsas acusações, e para maus profissionais. Para umas pessoas, é um afronto sugerir que as psicólogas podem e devem perder sua profissões. "Tio Ricardo pode ficar sete meses na cadeia, mas como pode penalizar quem o colocou lá? Estavam somente tentando defender as crianças! Isso seria uma injustiça!"

Não, seria justiça. Isso é o temor de quem fez as acusações! Acham que estão acima da lei, acima da Justiça, que quem acusa é intocável, blindado de qualquer consequência! Que os inocentes podem sofrer, mas que os culpados tem que ficar impunes.

O sofrimento de Ricardo, de Pablo e de muitos outros, é resultado direto da falta de consequências para os autores e facilitadores das falsas acusações. Nada apagará o que estes dois professores de educação física estão passando ( o que não quer dizer que uma bolada de dinheiro não ajudaria). A punição dos culpados pelo sofrimento que causaram, contribuirá para que outros inocentes não sofram no futuro.

"Não há tirania mais cruel"

Já citamos vários vezes o livro de Dorothy Rabinowitz, "No Crueler Tyrannies". O título é uma citação de Montesquieu, "Não há tirania mais cruel do que aquela que é perpetrada sob o escudo da lei e em nome da justiça". Cruel também é a psicologia que brinca com a vida de inocentes. Que nega liberdade a um homem trancafiado, avaliando um desenho como se fosse uma tábua Ouija. Ou que aponta um homem como culpado de um crime hediondo, sem nem mesmo antes ouvi-lo como exigido - não apenas sugerido, mas exigido - segundo as regras da sua profissão.

Dos que ouviram Sindey Salles contar sua vida antes e depois da massacre de Carandiru, talvez poucos entenderem porque somente depois de provocado por perguntas, ele contou de carregar 35 cadáveres, ou contou do tiro que o deixou numa cadeira de rodas. Talvez poucos entenderam porque ao em vez disso, ele preferira narrar sua entrevista com uma psicóloga!

Mas quem conhece a história da caça às bruxas de Catanduva, ou o caso Colina do Sol, ou o que estão sofrendo os professores Ricardo em Vila Velha e Pablo em Mendes, sabe que a prepotência e descaso dos psicólogos pode ser um horror tão enorme quanto ao dos fuzis do policias. Estes, ao menos não fingem que estão curando quando atiram.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Casos e coragem

A materialidade é o fulcro de uma acusação de abuso sexual. Aconteceu mesmo? Conforme Dorothy Rabinowitz encerra seu livro "No Crueler Tyrannies: Acusação, Falsa Testemunha, e Outros Terrores de Nossos Tempos",

 
Finalmente, preciso notar o questionamento muitas vezes levantado durante entrevistas sobre estes casos. Eu reconhecia que o abuso sexual de crianças existe, e que é um problema séria? repórteres perguntavam. Uma pergunta estranha, aquela. A examinação de nenhuma outra crime exigiria tal ressalvo. Jornalistas que escrevem sobre acusações falsas de homicídio raramente são cobrados para assegurar que sabem que assassinato é uma coisa ruim, e que realmente acontece.
 

A polêmica vem pelo fato que em muitos casos deste tipo, e quase invariavelmente envolvendo escolas ou "redes de pedofilia", não há evidência de que um crime aconteceu, a não ser a palavra de um psicólogo. Na prática, o ônus da prova é invertida, e a defesa precisa comprovar que o crime não aconteceu. Quem defende o acusado publicamente, não tem acesso aos fatos devido o "sigilo da Justiça": precisa lutar sem munição.

Outros casos

No caso do professor Ricardo de Vila Velha, dois grupos de Facebook tem visões antagonísticas do caso: "Eu Acredito em Tio Ricardo", e "Nos Acreditamos nas Crianças". O segundo grupo é recheado de citações de outros casos, numa tentativa de comprovar que "o abuso sexual de crianças existe, e que é um problema séria", e Teorias do tipo, "quem denuncia tem coragem".

Vamos primeiro considerar os "outros casos". Um dos participantes mais vocais grupo "Nos Acreditamos nas Crianças", sr. Gustavo Carvalho, postou um caso de Mendes, no Rio de Janeiro, com link para Record. É o caso do também professor de educação física Pablo, que já analisamos aqui. É bobagem. Postou também uma notícia antiga, do caso de mais um professor de educação física, esta de Ituiutaba, interior de São Paulo. Acontece que a Justiça determinou que Adeilzio José Martins é inocente, e ele está de volta na sala de aula.

Até sr. Cavalho percebeu que os dois casos são furados. Como reagiu? Admitiu que umas acusações de abuso são falsas? Não, ele apagou as postagens no surdinho! Um ato sem coragem intelectual, nem coragem moral. Uma covardia.

Mãe Coragem

É frequente no grupo "Nos Acreditamos nas Crianças", e outros grupos do tipo, a afirmação de que quem denuncia é "corajoso". Típico é este postagem recente da sra. Roberta Gobbi, que escreveu:

 
Será que esta mãe é louca? será que a mãe é influente? será que a justiça é corrupta? será que é perseguição? será que os órgãos competentes judiciários estão cometendo uma injustiça? fala sério heim !! ESTÁ MÃE É SUPER MÃE, POIS ELA TEVE CORAGEM DE DENUNCIAR O ABUSADOR...
 

Será? No caso Colina do Sol, examinei as acusações de tortura na delegacia com os inquéritos na mão, e falei com as vítimas. As evidências de corrupção e injustiça são estrondosas.

Mas os acusadores de Vila Velha deitam e rolam no "sigilo da Justiça". Eu não tenho cópia do inquérito no caso de Ricardo, e não fui a Vila Velha falar com os envolvidos. Como saber a verdade, então? Bem, a própria sra. Gobbi segue sua perguntas com um link à acusação contra Pablo. Se outros casos valem, vamos então ver um outro caso, onde os fatos são bem documentados.

Tenho aqui o excelente livro de Alex Ribeiro sobre o caso, "Caso Escola Base: os abusos da imprensa" sobre a "mãe de todos os casos" do tipo no Brasil. Vamos ver o que o repórter Alex tem a dizer sobre a Lúcia Eiko Tanoue. Citando das páginas 139-141:

Também foi posta em xeque a forma como Lúcia obteve de seu filho o relato dos supostos crimes. Em 25 de maio depôs a teleatendente Cristiani Aparecida Próspero, mãe de um coleguinha de Fábio. Ela contou que, no dia em que foram feitas as buscas na casa de Saulo e Mara, recebeu um telefonema de Lúcia:

Lúcia me disse que para extrair os fatos do menino precisou fazer uma espécie de chantagem, isto é, dizia-lhe que se não contasse não o deixaria fazer isso ou aquilo — principalmente dormir em companhia dela, já que o menino estava acostumado a dormir em companhia da mãe. Segundo Lúcia, Fábio ficou assustado e disse que eles saíam em perua escolar, com um tio japonês, e iam para um local grande, onde existiam camas redondas, espelhos e passavam fitas de mulheres peladas.

A psicóloga Marylin Tatton, da 1ª Delegacia da Mulher, entrevistou Lúcia e fez observações sobre a sua personalidade:

[...] D. Lúcia parecia insegura. Relatou que durante uma madrugada acreditava ter visto, ela e ninguém mais, um "objeto enorme com formato de losango que tinha muitas luzes e cores e fazia um barulhinho", enquanto se dirigia ao banheiro. Não soube precisar o que seria o objeto, que não foi visto por nenhuma outra pessoa, e comenta que teve outras visões no mesmo dia.

[...] Pelo que foi observado no discurso da mãe, para algumas coisas naturais no processo de desenvolvimento infantil, a mesma trata as questões com muita fantasia e temores, ao que parece, por tratá-lo de forma muito infantilizada, como se tivesse o medo de perder o seu lugar para o mesmo.

Afirmou com exagero o fato de a criança se acariciar durante o banho. Segundo ela, por exemplo, Fábio introduzia o dedo no ânus, ou acariciava o "pipi". Muito provavelmente, as fantasias ou conflitos mal-elaborados em nível de sua sexualidade ela projeta na criança, criando uma história, ao que parece, muito fantasiosa.

Pela dificuldade de administrar sua relação afetiva e sexual com seu cônjuge, a mesma faz o movimento de manipulação com esta criança, que a satisfaz de alguma forma em nível de suas fantasias. Questiona todos os atos e gestos da criança, não admitindo que estes sejam próprios do desenvolvimento de sua sexualidade.

Pelas respostas observadas da criança e o comportamento desta, apresenta-se a hipótese de que, provavelmente, ela tenha sido induzida pela mãe a dar respostas que lhe impunham.

Sérgio Peixoto Camargo, promotor de Justiça que atuou no caso, lamentaria mais tarde "a desnecessária provocação do aparelho policial pela fantasia de pessoas imaturas, ignorantes, apoucadas de compreensão e destituídas de lógica, que não conseguem visualizar as gravíssimas conseqüências de seus atos impensados". Ele selecionou do inquérito um trecho de um depoimento de Lúcia confirmando as conclusões da psicóloga:

Fábio estava brincando com o filho do zelador, usando um brinquedo de montar destes de plástico; que, em dado momento eu notei que Fábio colocava na boca uma peça comprida, que tem aparência de um pênis; que, logo de imediato, vendo-o com aquele objeto na boca, eu cismei alguma coisa, mas não disse nada; que depois que o coleguinha dele foi embora, eu o chamei e perguntei se ele tinha colocado a boca no pipi de alguém; que Fábio me respondeu, dizendo que o japonês fez ele colocar a boca no pipi dele e me disse também que a Ângela, que é mulher e está no jornal fotografada, também colocava a boca no pipi de Fábio.

Vamos voltar às perguntas de Sra. Roberta Gobbi, e as responder, baseado neste outro caso, sobre a mãe acusadora Lúcia Eiko Tanoue:

  • Será que esta mãe é louca?
    Bem, ela vê coisas que mas ninguém enxerga, e conforme a psicóloga da polícia tem "dificuldade de administrar sua relação afetiva e sexual com seu cônjuge". Rabinowitz documenta vários casos de mães que são loucas, com (pp viii-ix) Judy Jones, acusadora no caso da Escola McMartin, que depois alegou que um fuzileiro naval assaltou sexualmente seu cachorro. Quem sabe o que encontraríamos sobre as mães e pais que acusam professor Ricardo, se tivéssemos acesso aos autos do caso?
  • será que a mãe é influente?
    O promotor lamentou a "desnecessária provocação do aparelho policial", e "as gravíssimas conseqüências de seus atos impensados". A beleza de uma acusação de abuso sexual, para quem quer se sentir importante, é que eleva a acusadora à posição de estrela. Qualquer uma que faz uma acusação destas vira influente. No caso da Colina do Sol, vimos que o assassinato comprovado de Wayne nem chegou ao Fórum ainda, enquanto uma acusação de abuso sexual negado pelas supostas vítimas já encheu 26 volumes de processo.
  • será que a justiça é corrupta?
    Não precisa ser corrupta, precisa somente ser rápida para prender, e lerda para julgar. Metade das pessoas que se encontram em presídios no Brasil estão aguardando julgamento.
  • será que é perseguição?
    No caso Escola Base uns que apoiavam os acusados me contaram que foram ameaçados pela polícia. No caso Colina do Sol, eu e Cristiano Fedrigo, além dos acusados e seus advogados, tivemos nossos telefones grampeados durante 10 meses; eu e Silvio Levy responderemos a processos sem fundamento. Isaías Moreira e seus filhos afirmaram que foram torturados na delegacia para fazer afirmações falsas. Se isso não for perseguição, não sei o que seria. Posso acreditar que houve e há perseguição no caso do professor Ricardo em Vila Velha.
  • será que os órgãos competentes judiciários estão cometendo uma injustiça?
    Alex não aponta no livro, mas o juiz que prendeu inocentes no caso Escola Base, Dr. José Galvão Bruno, voltou a prender inocentes um ano depois no quase igualmente famoso caso do Bar Bodega. No caso da Colina do Sol, não consigo enxergar a tortura de menores como sendo justo, e examinamos outro caso mediático do delegado Juliano Brasil Ferreira.
  • ESTÁ MÃE É SUPER MÃE, POIS ELA TEVE CORAGEM DE DENUNCIAR O ABUSADOR...
    Conforme o promotor Sérgio Peixoto Camargo que examinou os fatos, Lúcia Eiko Tanoue e as outras causaram "a desnecessária provocação do aparelho policial pela fantasia de pessoas imaturas, ignorantes, apoucadas de compreensão e destituídas de lógica, que não conseguem visualizar as gravíssimas conseqüências de seus atos impensados".

O que é a coragem?

Reconheço a existência de abuso sexual de crianças. Reconheço, ainda, a existência de coragem.

Eu vi coragem na pessoa da promotor da Justiça Dr. Eduardo Araújo da Silva, que pediu a liberdade dos acusado no caso Bar Bodega. Vi na pessoa da delegada Rosana da Silva Vanni, que na caça às bruxas de Catanduva se recusou de entregar os nomes de pessoas contra quem ela sabia não existia evidências, e foi massacrada pela imprensa por isso.

Eu vi coragem nas crianças que no caso da Escola Base, enquanto a imprensa nacional massacrava um vizinho, fizerem um abaixo-assinado o apoiando. Eu vi coragem nos pais de Morro da Pedra que se recusavam de acusar inocentes, ainda sabendo que eles mesmos seriam denunciados por isso. Eu vi coragem nas crianças que marcharam ao fórum de Taquara mostrar seu apoio para os falsamente acusados, sabendo que seriam reprimidos por isso, e seus nomes anotados pelas Autoridades. Eu vi coragem nos jovens que declararam em cartório a falsidade das acusações no caso Colina do Sol.

Eu vi coragem em Cristiano Fedrigo, que com 20 anos mal completas, um passagem de avião em mãos e um bolsa de estudo aguardando em Novo Iorque, resolveu ficar e lutar em favor de Fritz e Barbara, ciente que estaria lutando sozinho contra a polícia, a Justiça e a imprensa.

Eu sei que a coragem existe, e eu a reconheço.

Mas a coragem é um qualidade individual. No grupo "Eu acredito em Tio Ricardo", cada "eu" afirma. Cada um toma sua posição, coloca a cara a tapa. No grupo "Nos acreditamos nas crianças", já as pessoas se juntam ao pronome coletivo de "nos". E não se colocam pela culpa ou inocência: se escondem atrás de "as crianças". Comprovando que as mães ou as psicólogos induziram acusações como Lúcia Eiko Tanoue induziu, podem fugir da raia, dizendo que "afinal, somente acreditei nas crianças." Mentira. São responsáveis pelas "gravíssimas conseqüências de seus atos impensados", que tinham e tem condições, sim, de visualizar.

A coragem vai contra a onda, conta a poder, contra a maioria.

Quando eu era jovem, era um mistério para mim, como as pessoas eram coniventes com as males da historia. Como alguém participaria de um linchamento, entregar um vizinho ao Santo Ofício, dedurar um colega para Senador Joe McCarthy, entregar em qualquer época os inimigos do Estado?

Cresci. Vivi. Testemunhei.

Assisti no Palácio dos Bandeirantes a estreia do filme "Cabra Cega", sobre revolucionários na ditadura militar, e reconheci nos pôsteres nos ônibus com os rostos de procurados, os pôsteres de "Disque 100! Denuncia!" nos ônibus de hoje. Encontrei os devedores da Colina do Sol que acharam na denuncia falsa uma maneira de se livrar das suas dívidas. Encontrei um Senador McCarthy tropicalizado, e fui por ele convocado e questionado em CPI. E vi como em qualquer época não há falta de gente disposta a correr e participar de um linchamento, e se achar cheio de moralidade e coragem por assim fazer.

Reconheço a coragem, e reconheço a covardia. Dr. Martin Luther King disse que "O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons." Eu vi no caso do Tio Ricardo de Vila Velha o bons que não ficaram no silêncio, que marcham, escrevem e falam em defesa de um homem que sabem inocente.

E ouvi também, e ouço, o grito dos maus, que se escondem atrás do sigílo, da Autoridade, e até atrás das crianças.

E reconheço a coragem, e reconheço a covardia.

   

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A régua da acusação

Sempre há duas réguas e duas medidas nestes crimes em que a imprensa se junta a uma Autoridade, polícia ou promotor, que procure a luz da ribalta com um crime de "repercussão". A imprensa brasileira está sempre ao lado do acusador. Especialmente difícil de defender é a acusação de pedofilia, onde o acusado não pode analisar e estudar as evidências para comprovar que o criminoso não era ele. Pois nestes crimes a grande dúvida preliminar é a materialidade do crime - aconteceu mesmo? - e geralmente não há evidência fora das acusações que um psicólogo com Teorias conseguiu arrancar de uma criança de idade tenra, cuja palavra não seria aceita num tribunal para identificar o acusado de qualquer outro crime.

A Justiça tende a prender o acusado, pois é tão fácil induzir uma criança a afirmar que foi ameaçada, quando induzir-la a dizer que foi abusado. Então porque não? Para prender o acusado a Justiça é rápida, mas uma vez preso, é lerda, muito lerda.

Defender um culpado não é crime nem pecado; acusar um inocente é ambos. Mas quem faz parte da pelotão de linchamento neste caso se finge de moralista, que está "protegendo as crianças". Claro que não é nada disso: não é nada difícil manter as crianças longe do acusado. Manter o Ricardo na cadeia seis meses, em nada "protege" as crianças.

É que um acusado preso, dá peso à "luta" dos linchadores. O mais tempo que fica preso, mais que os acusadores dizem, "Se for inocente, não seria preso tanto tempo".

Vamos ver hoje as medidas, as réguas, que esticam as acusações e encurtam as defesas. Na próxima vamos no caso de Tio Ricardo de Vila Velha, dá nomes aos bois, e mede as acusadores pela régua da lei. Pois uma régua serve muito bem como palmatória.

Teoria feita para condenar

E as Teorias são feitas para condenar. O acusado muda sua versão, "entrou em contradição". A criança disse que não aconteceu nada, e depois disse que sim? "É o processo de revelação". Volta atrás e nega que foi abusada? Ai, foi comprada ou ameaçada. O exame médico do corpo de delito deu negativo? Pela Teoria, os abusadores geralmente comentem atos que não deixam marcas. O acusado comprove com testemunhas idôneos e documentos que não estava no lugar, comprove um alibi perfeito? Ah, a criança recordou incorretamente a data ou lugar dos fatos, mas "criança nunca mente sobre abuso", uma afirmação de Teoria inabalada pelas crianças que recantaram nos casos famosos da Escola McMartin e da Wenatchee nos EUA, ou as afirmações de tortura na delegacia no caso da Colina do Sol, onde a Corregedoria comprovou que os policias acusados estavam sim, na data e no lugar das torturas e ameaças posteriores.

Imprensa sempre ao lado da acusação

Além da Teoria sob medida, há o tratamento diferenciada da imprensa para com acusados e acusadores. Sempre que alguém é preso, ouvimos se ele tenha antecedentes policias. Mas a imprensa nunca consulta seus próprios arquivos para ver se o policial que o acusa tem um histórico de prender e acusar inocentes. Os acusadores recebem o mesmo tratamento privilegiado. No casos Colina do Sol e Catanduva, os acusadores principais foram condenados por sequestro, um antes e um depois as acusações falsas, mas para a imprensa, isso não era informação relevante. Imagine se os acusados tinha sido condenados por sequestro! E a imprensa não aprende. Faz uns seis meses, o jornal O Estado de São Paulo revistou o caso Escola Base. A mãe acusadora, Lúcia Eiko Tanoue, que na época fez questão de aparecer na mídia, agora não quer seu nome no jornal, e o Estadão não colocou. Um casal acusado, que obviamente não queria aparecer na época, disse que não queria aparecer 18 anos depois. Mas o Estadão colocou os nomes deles. A História já determinou quem era inocente e quem culpado, mas a imprensa continua a privilegiar acusadores, e macular os nomes de acusados.

Um diferencial no caso do Tio Ricardo de Vila Velha, é que o jornalista Fábio Diamante da emissora SBT, se deu o trabalho de investigar o caso, e não somente fazer o papel padrão da imprensa brasileira, e tentar comprovar as acusações. No seu blog, Fabio Diamante aponta que as acusadores se sentiram indignados quando ele deu ouvidos à defesa, o acusando de ter sido pago para fazer materiais baseadas nos fatos. É que os fatos pesam muito em favor de Ricardo.

E há a parcialidade da Justiça. No caso Colina do Sol, em maio de 2011, a defesa pediu aceso às "evidências" no caso, depois de constar que a polícia entregou à Justiça muito mais do que aprendeu. Pediu anos antes, mas foram colocados obstáculos até para ver os laudos do Instituto Criminalística na íntegra. Os laudos resumidos em papel já disserem que não tinha nada contra os acusados, então pareceu que não valeu a pena pular sobre os obstáculos novos colocados com cada pedido novo. Em maio de 2011, o tempo para análises novos tinha passado, disse o juiz substituto. Mas em abril de 2012, a polícia veio com um laudo novo, e para isso, tinha tempo. E quanto tempo! Um laudo sobre "evidências" que não constam nos autos de apreensão, e ainda assim não tem nada de relevante para as acusações, atrasou o julgamento em pelo menos seis meses. A primeira defesa (há três times de advogados) entregou novos argumento no dia 8 de junho, e a 2a Vara de Taquara notou isso somente no 8 de julho, numa nota que publicou somente em 22 de julho, um atrasa completamente desnecessário de seis semanas num caso que parece que vai fazer seu quinto aniversário sem uma sentença. Dois dos acusados já morreram a espera da Justiça.

A defesa não pode ver as evidências no caso Colina, porque conforma a Justiça, há fotos comprometedoras de menores. Só que, conforma os laudos em papel, não há fotos comprometedoras de menores. E enquanto todo obstaculo foi colocado para que a defesa não poderia ver as evidências, nem no ambiente restrito do Cartório, a promotoria pediu acesso e levou tudo para examinar onde e como queria. Há uma Teoria de que "cada vez que a fotografia é vista, a criança é abusada de nova". A Teoria tem sentido somente se for acreditar que uma fotografia prende um pedaço da alma do retratado, mas ainda assim, como poder ser que os olhos da defesa prejudicam as (inexistentes neste caso) crianças, mas os olhos da promotoria, não?

O sigilo de injustiça

O "Sigilo da Justiça", é algo que parece que amordaça somente a defesa. Em via de regra, a polícia faz as acusações na luz da ribalta, muitos vezes passando em "off" informações que chama de privilegiadas mas que as vezes são totalmente inventadas. A defesa, geralmente sem acesso aos autos do caso, fica reduzida a "alegar inocência". Chegando a hora que a defesa pode finalmente falar com as documentos em mãos que comprovam a farsa, vem o "Sigilo da Justiça". Não comentamos aqui antes o caso da Dr. Sando Fernandes em Bauru, outro caso com todas as características de uma acusação forjada, mas o advogado da defesa se veja na obrigação de se manter calado por causa do "Sigilo da Justiça", enquanto o "assistente de acusação", um tal de Dr. Evandro Dias Joaquim, aproveita cada audiência para fazer uma nova acusação contra Sandro Fernandes, ou relatar para a imprensa os acontecimentos dentro do Fórum. Bem, a acusação não precisa se preocupar com a possibilidade de que o Ministério Público vai abrir ou tocar com vigor um processo para quebra de sigilo; a defesa tem tudo a temer.

No caso de Tio Ricardo, o professor de educação física de Vila Velha, o sigilo servia pelo menos para que seu nome não fosse publicado. A cidade inteira sabe de quem se trata, mas formalmente seu bom nome é preservado. O motivo que o sigilo serviu neste caso é que a polícia não entrou na acusação: o delegado não acredite que houve crime. Foi um promotor que resolveu fazer a guerra santa, mas assim a acusação já nasceu como processo (sigiloso) e não como inquérito.

A desvantagem em que o sigilo coloca a defesa fica evidente nos dois grupos de internet que acompanham o caso, "Eu Acredito no Tio Ricardo" e "Nos acreditamos nas crianças". Sem poder lançar mãos de informações, os dois lados ficam cada um chamando Deus como testemunha - Ele, pelo menos, está acima do "Sigilo da Justiça", mas apesar deste privilégio divino, não faz declarações.

Materialidade

Num caso destes, o primeiro passo, e o entrave essencial, e a materialidade, a maneira jurídica a dizer: houve crime? Num assassinato, há um cadáver ou pelo menos o sumiço de alguém. Raramente há uma dúvida de que houve mesmo uma morte. Poderia haver dúvida se a causa da morte for criminosa, ou dúvidas podem ser criados onde inexistentes, como no acobertamento da morte de Wayne na Colina do Sol [link].

Mas geralmente alguém morreu mesmo, e num local e num data que são conhecidos ou que podem ser determinados. E geralmente isso deixa marcas, evidências, provas, que podem apontar para o assassino. E igualmente, podem comprovar que alguém não seja o culpado.

citamos aqui a delegada especializada de Paraná que disse que durante uma campanha de "Denuncia!", 80% das denúncia de abuso sexual de crianças que chegam a polícia são falsas. "E quanto mais grave ela é, maior é a chance de ser infundada". A acusação contra Tio Ricardo, de que as crianças esperavam em fila para ser abusadas, dentro de uma escola onde a qualquer hora alguém poderia aparecer na sala, é com certeza das "mais graves". Do que tenho visto e lido, qualquer acusação de abuso contra um professor, deve ser presumida falsa.

Num suposto caso de abuso, a materialidade do crime, repousa numa depoimento que um psicólogo extraiu de uma criança. Muito comum nestes caso, é que o psicólogo seja pouco experiente. No caso Colina, notamos isso com a falsa psiquiatra Dra. Heloisa Fischer Meyer, que completou um telecurso em abuso sexual um dia antes do que deu seus "laudos", que não tinha qualificações para assinar.

Notamos que no caso de Tio Ricardo, há quatro psicólogas envolvidas nas acusações, cuja experiência profissional varia entre pouca, e muito pouca.

Vimos umas das maneiras em que a defesa é medida com outra régua do que a acusação. Na próxima, como prometido, vamos trocar as regras, e aplicar as acusadores de Tio Ricardo, a régua com que se mede um acusado.

Vamos ver os nomes das psicólogas que fizerem os laudos sobre as supostas vítimas. Vamos examinar também o acusador beligerante do grupo "Nos acreditamos nas crianças", sr. Gustavo Carvalho, e vamos ver porque não se deve acreditar nele.

Eu acredito nos fatos, nas evidências, no bom senso. Não acredito laudos psicológicas baseado em Teorias, que recusam a consideram fatos físicos.

E acredito, de vez em quando, na aplicação da palmatória, em quem se comporta mal.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A corrida do Capitão

19/09 foi Dia Internacional de Falar como um Pirata
A Rainha Vermelha da Alice precisava correr tanto quanto podia, para se manter no mesmo lugar. Daria inveja para quem monta uma esquema Ponzi, que para ficar onde está, precisa sempre correr mais rápido. Pois a renda da primeira leva é pago com o principal da segunda leva; a terceira leva paga a renda dos dois anteriores; a quarta já dá conta dos três anteriores, e assim vai. Para manter a esquema em pé, é preciso não que a coisa continua no mesmo ritmo, mas que entre cada vez mais. Senão, desanda.

Umas esquemas caim ao chão rapidamente, enquanto outras são duradoras. O esquema Ponzi original durou poucos meses. O de Bernie Madoff, décadas. Como que Celso Rossi consegui fazer de naturismo brasileiro sua reserva e tira dele seu sustento, durante um quarto de um século?  Entendendo porque a nau capitania está indo finalmente à pique, entendemos porque navegou tanto tempo.

Mudança de praça

O primeiro empreendimento de Celso foi o Paraiso da Tartaruga morro acima da Praia do Pinho; depois Pedras Altas, também em Santa Catarina; depois foi mais longe para Colina do Sol em Taquara, RS. Ouvi ainda que sua ligação com uma área naturista em Minas Gerais terminou quando a barragem literalmente estourou.

Este mudança ajudou suas esquemas, não somente para encontrar um rebanho novo para tosar, mas também a mudança de praça comercial e da comarca ajudou deixar sua história para trás.

Mas o mundo mudou. Ficou menor. Mais aberto. Na "aldeia global", tudo é local. O que era longe está aqui, o que teria sido esquecido no passado, está presente.

Justiça digital

A Internet trouxe o longe, para perto
Já vimos que no despejo da AAPP do Morro da Tartaruga, o nome do Celso Rossi foi citado duas vezes na sentença do Tribunal de Justiça de SC, e a acordão está no Internet, ao alcance de qualquer um. Antigamente, ler isso teria exigido uma viagem ao Fórum da comarca, ou ao Tribunal de Justiça do estado. Hoje, há mais transparência. Que é ruim para quem tem algo que não quer que transparece.

No processo da falência da Naturis, podermos ler online, num acordão do TJRS, que:

A promoção de fls. 405/418, ademais, bem equacionou os fatos, devendo ser considerada como aqui transcrita, evitando a tautologia e a mera transcrição.
Ocorre que, no entanto, ausente o fundamento que justificou a decretação da falência, referido como “(...) a prática dos atos de falência descritos nas letras ‘a’ e ‘f’ do inciso III do artigo 94 da Lei nº 11.101/05 (...)” (grifei fl. 162), não podendo subsistir o decreto, cuja finalidade foi única e exclusiva a de fraudar credores, sob pena de ser prestigiada a conduta ilícita, diante da documentada atividade de Celso Rossi junto ao grupo (fls. 375/376) e da ciência da gerência da contabilidade por profissionais de Sapiranga (fls. 381/387). Grifa-se.
Quando Celso Rossi se apoderou do naturismo brasileiro, até uma determinação judicial destes teria sido inócuo. Poucos pessoas vão ao Forum verificar processos, e verficando que já passou em muito os 400 páginas, poucos persistem. Mas com documentos digitais disponíveis pelo Internet, é fácil buscar o nome que interesse.

Naquela época, eram fatos isolados, em lugares separados. Hoje, cada fato poder ser costurado com o anterior e o posterior, e ao ser vistos em cadeia, viram modus operandi. E pode ser não ser somente os fatos, que são vistos em cadeia.

"Celso Rossi não dá ponto sem nó"

Ouvi de várias pessoas esta afirmação. Como expressão idiomática, devemos considerar o sentido literal. Porque é bom dá nó? Porque sem, alguém pode puxar o fio, e a peça desmancha. Agora, como expressão de fato, é falso. Em documentos públicos, Celso precisa colocar assuntos na mesma maneira que todas as outras pessoas. Há muito ponto sem nó em cartório, no registro de imoveis, na tabelião, na Junta Comercial, etc. É só ir lá procurar ... e puxar.

O lente aumentativa da imprensa
    
Celso percebeu cedo que o naturismo ganhava espaço desproporcional na imprensa. A Colina do Sol, com umas 100 casas, e um valor total menor de uma casarão de Alfaville, tem fama nacional. O país está cheio de empreendimentos imobiliários com cinquenta vezes o porte financeira, desconhecidos fora do seu região imediata.

Além do aspeto aumentativa da imprensa, seus lentes são tingido de cor-de-rosa quando trata destas assunto de "estilo de vida".. A percepção de naturismo como excêntrico mais inofensivo foi percebido pela agência que fez a propaganda de Margarina Mila já em 1979. Celso percebeu isso. Mídia farta e favorável ajuda qualquer esforço.

A Queen Anne's Revenge, de Blackbeard
Como a Colina do Sol aproveitou isso? Num caso que acompanhamos ao lado direto do blog, a pedido da famosa Colina do Sol para uma ligação a rede elétrica, resultou no concessionário RGE fincando postes nas terras dos vizinhos, num custo que pela extensão parece elevado. Para o "Encontro Latino-Americano de Naturismo", que atraiu exatos três estrangeiros, a prefeitura arrumou a estrada que leva à Colina, em preferência a outras vias mais transitadas e mais necessitadas.

A falsa denúncia de pedofilia trouxe uma onda enorme de mídia. Os dirigentes da Colina cultivaram a mídia abrindo as portões para que poderiam filmar o "flagrante", e ouvi que uns deles ao pedido da polícia ficaram nus para dar entrevistas. Dizerem que denunciam pedofilia, e qualquer um que denuncia pedofilia é para a mídia um herói.

A Naturis/Celso Rossi, procurado durante anos por oficiais de Justiça, cartas registradas, e editais fixadas no Fórum, finalmente buscou o processo de falência referido acima, quando as denúncias falsas já tinham sido feitos, e entregou sua primeira petição no caso, na segunda-feira seguinte as prisões. Por coincidência, com as denúncias em curso mas duas semanas antes das prisões, Dana Wayne Harbour, maior investidor no empreendimento Hotel Ocara, também de Celso, foi executado na sua cabana dentro da Colina. Claro que a morte de Wayne naquela hora, quando seria ofuscada pelas falsas acusações, só pode ter sido coincidência.

notamos que um dos devedores de Fritz Louderback na Colina do Sol, Etacir Manske, deixou de pagar a dívida na mesma semana que suas acusações colocou seu credor na cadeia.

Celso Rossi recentemente entregou defesas neste processo de falência, e num outro. Nos dois casos, ouvi, a maior parte da defesa era um calhamaço de 400 páginas com recortes amareladas de jornal elogiando Celso Rossi.

Aparecer na imprensa é uma tática de Celso Rossi e da Colina do Sol. Aproveitaram seu momento na mídia com as denúncias de pedofilia, para finalmente enfrentar os processos dos quais fugiram antes? Ou, sabendo que não dava mais para fugir, resolverem fazer as denuncias, para criar uma onda de mídia favorável? O que veio primeira, a galinha ou o ovo? 

O jornalismo digital

Na mesma defesa em que Celso juntou seus recortes antigos, ele apontou o origem dos seus problemas atuais: este blog.

Sim, parece que em pesquisando a vida empresarial de Celso Rossi, e publicando os fatos que encontrei no registro público, dificultei que a esquema prosseguisse. Alertamos do golpe da "Colina dos Ventos".  Trocamos dados com outras vítimas, com a Dra. Carmen que defende a família do finado Gilberto. Encontramos os dois mapas de Celso, um mostrando o que ele comprou, e o outro mostrando a área maior que ele vendia.

Voltando para o começo do ensaio, para manter uma esquema Ponzi funcionando, é preciso não somente sempre ficar correndo rápido, mas ficar correndo sempre mais rápido.  Se ficar, o bicho pega. E o bicho está pegando. 

domingo, 9 de setembro de 2012

Ponzi e Poyais

A Folha de S. Paulo trouxe esta semana dois ensaios sobre livros focando golpistas: no dia 3, tradução de Diana B. Henriques do New York Times sobre "The Ponzi Scheme Puzzle: A History and Analysis of Con Artists and Victims" de Tamar Frankel. Diana é ela mesma autora de "The Wizard of Lies: Bernie Madoff and the Death of Trust". Ontem dia 8 Helton Simões Gomes escreveu sobre o livro "Golpes Bilionários" de Kari Nars, obra já disponível no português pela editora Gutenberg.

Os dois textos trazem lições para os que acompanham as acusações do caso Colina do Sol, e as fraudes financeiras que as falsas acusações de pedofilia foram feitas para encobrir.

Henriques faz umas perguntas para Frankel, e conforme o ensaio, " A professora Frankel, uma acadêmica de direito, fala sobre a mentalidade dos estelionatários, assim como o papel que as vítimas e a sociedade exercem":

 

P. Você acha que hoje compreende melhor os esquemas de fraude chamados de "Ponzi schemes"?
R. Entendo melhor especialmente o impacto da cultura — uma cultura de assumir riscos, a esperança de ganhar dinheiro, um apetite insaciável por mais.

P. Mas não é tão simples, é? Algumas vítimas de Bernard Madoff sentem que justificadamente depositaram sua confiança em um veterano do mercado. Então, onde está a linha entre confiança justificada e credulidade irracional?
R. Como eu noto no meu livro, muitos vigaristas fazem parecer que limitam o acesso a seus investimentos, disponibilizando-os apenas para alguns escolhidos. Mas, racionalmente, por que um administrador de dinheiro faria isso? Olhe ao redor e verá fundos hedge, fundos mútuos, fundos de capitais privados e assessores, todos salivando para conseguir mais clientes. No entanto, há aqueles que acreditam que quanto mais difícil for entrar em um investimento, mais valioso ele é. Isso é credulidade.

P. Madoff não prometeu retornos estratosféricos — ele apenas ofereceu uma consistência estável. A senhora não acha que os futuros fraudadores vão tirar uma lição do roteiro de Madoff?
R.Eu duvido. As pessoas estão mais preocupadas com os riscos do que estavam antes da crise. Mas os fraudadores não adaptam suas histórias à cultura atual e ao sentimento público, eles sobretudo se concentram em seu público-alvo.

 

O livro de Nars fala de outros fraudes, como Victor Lustig, que em 1925 vendeu o Torre Eiffel para ferros velhos, e do general escocês Gregor MacGregor, que casou-se com uma sobrinha de Simon Bolivar, e na década de 1820 inventou o estado fantasma de Poyais no Caribe. Conforme um site sobre o Clan MacGregor:

 

Gregor MacGregor, Príncipe de Poyais
Seu plano para ganhar dinheiro com o seu "reino" teve duas abordagens diferentes. Um era para levantar capital de £ 200.000 (milhões de dólares em dinheiro de hoje) mediante a emissão de 2.000 títulos ao portador em £ 100 cada, o outro para vender terrenos e comissões em Poyais. Nisso, ele foi ajudado por uma campanha de marketing habilidoso e sem vergonha promover as virtudes do que um marqueteiro chamado 'este insuperável Utopia'.

[...]

Muitas pessoas mais pobres, que não tinham condições de comprar os títulos caros, compraram pequenas parcelas de terra ou se inscreveu como sapateiros, comerciantes, joalheiros, professores e funcionários ou outros artesãos, todos com habilidades aparentemente em grande demanda no estado em rápido expansão econômico.

[...]

Tal foi o sucesso da promoção, de que pelo menos uma balada foi cantada em louvor a MacGregor, livros e panfletos exaltaram os méritos desta esplêndida nação nova e um público animado clamavam para investir neste país irresistível liderada pelo seu carismático e heróico Príncipe. [...] A grande nação próspera de Poyais tinha sido tudo uma ilusão bem lavrada, uma fraude cruel cometido em trabalhadores e trabalhadoras, que se atreveram a esperança de uma vida melhor na América.

[...]

Como MacGregor esperava se safar uma vez alguém chegou no seu "paraíso" não é clara. Possivelmente ele tinha planejado fazer uma fuga com seus milhões, mas foi errou a hora de partida. Talvez ele tivesse começado a acreditar na sua própria propaganda que tal lugar existiu. Incrivelmente, MacGregor no começo tentou blefar, , culpando a colônia de Belize por interferir e até mesmo para o roubo de pertences Poyaisian, e ele tentou levantar ainda mais dinheiro com a re-emissão dos títulos.

[...]

Por alguns anos ele viveu em Edimburgo, tentando em vão vender lotes num reino que não existia, em terras que ele não possuía.

 

A resenha da Folha informa uma das saídas de MacGregor: "Depois de os 'colonos' reclamarem seus investimentos, informou estar de mãos atadas: Poyais havia se tornado um Estado independente."

Os tempos mudam. O sonhos ficaram mais maneiras. Ponzi ofereceu retornos impossivelmente altos, e oito décadas depois, Madoff ofereceu retornos um pouco elevados, e impossivelmente consistentes. Não se mas canta baladas em louvor; faz-se reportagens de televisão. Poyais era uma nação, algo em que ninguém acreditaria hoje, mas encontra-se os que engolem "uma pequena cidade ... entidade com autonomia política". Os sonhos de hoje são mais pedestres: foram-se os países e príncipes, entraram os presidentes e federações.

A Folha termina: "Para ilustrar o fim dos fraudadores, Nars parafraseia o ex-presidente americano Abrahan Lincoln: é impossível enganar todo mundo para sempre. O que não é preciso, pois, segundo mostram as histórias, basta enganar as pessoas certas por algum tempo."