quinta-feira, 22 de março de 2012

Falando bobagem

Escolhendo o perito, as vezes
já se sabe o laudo que vai sair
O caso Colina do Sol está chegando ao seu final, e com ele, nossa viagem pelos fatos do caso e do seu contexto. O trabalho do repórter ou cronista é facilitado pela vasta quantidade de fatos já documentados e analisados aqui, aos quais posso remeter o leitor com um simples hiperlink. O plano de trabalho aqui foi de fazer os tijolos, um por um, e como eles erguer o edifício.

E estamos bem com os fatos.

Mas enquanto em nosso garimpagem atrás da verdade, esgotamos a veia dos fatos, e encontramos uma pedra mais dura, na forma de Teoria. Nosso amigo e colega Joaquim Salles gosta de citar a lema de advogado de que "Não há fato que resiste uma boa argumentação". Estamos na hora de enfrentar as teorias que sustentam as condenações nestes casos, no Brasil e afora, e comecei e abandonei vários textos nas últimas semanas. Pois a teoria psicológica resiste um ataque baseado em fatos. E a teoria CSAAS que sustenta diagnósticas de abuso sexual, resiste um ataque baseado em razão.

Em outros momentos da minha carreira, encontrando um problema que resiste meus esforços, como última alternativa apelei para minha formação acadêmica, em filosofia.

Filosofia moral

Em 1914, no seu discurso para seus alunos do primeiro ano no curso de Filosofia Moral na Universidade de Oxford, John Alexander Smith disse:

 
Senhores, vocês estão agora começando um curso de estudos que vão lhes ocupar durante dois anos. Juntos, formam uma aventura nobre. Mas quero enfatizar um ponto importante. Nada que vocês vão aprender no curso dos seus estudos seria de menor possível utilidade no restante da sua vida, salve somente isso, que se vocês trabalhassem duros e com inteligência vocês deveriam estar capazes de detectar quando um homem está falando bobagem, e isso, ao meu ver, é o principal, se não o único, fim de educação.
 

"Trabalhassem duros e com inteligência". Vários dos ensaios aqui são frutos de persistência, do trabalho cansativo de buscar os fatos e os colocar em ordem e no contexto. Seguimos o dia ocupado se Sylvio Edmundo; diferenciamos as duas escolas de Morro da Pedra e com isso desmentimos os outros laudos psiquiátricos; montamos a mapa da Colina do Sol e comprovamos os fraudes imobiliárias que deflagraram as falsas denúncias. Unificamos o rôl das evidências, e assim comprovamos várias das mentiras do Sr. Delegado.

Falsificável

Smith falou quase cem anos atrás. A filosofia progrediu muito neste tempo, especialmente nos ferramentos de detectar quando um homem está falando bobagem. Karl Popper apontou como uma das características da ciência, que é falsificável. Quer dizer, as regras de ciência, permitem determinar quando uma teoria é falsa.

Lendo os teóricos de psicologia, e especialmente de abuso sexual de crianças, sente-se a falta de Popper.

Notável nisso são as dogmas de "revelação" e de "negação". Já notamos que cada vez que O Moleque que Mente® foi interrogado, contou uma história diferente, quase sempre mais escabrosa que o anterior. Quando o acusado muda de versão, "caiu em contradição". Quando a suposta vítima faz isso, bem, "revelação é um processo". As regras diferentes já são motivo de suspeitar que estamos lidando com bobagem.

aqui um bom análise, "REVELAÇÃO DE ABUSO SEXUAL INFANTIL: O que pesquisa nos conta sobre as maneiras que crianças contam?", feito pelo London, Bruck, Ceci, e Schuman. O título já promete procurar informações empiricamente, pela pesquisa. Os autores citam a teoria reinante:

 
Em 1983, Roland Summit, um psiquiatra, publicou uma descrição formal de como crianças vítimas de abuso sexual revelam abuso. O propósito deste modelo, chamado de síndrome de acomodação de abuso sexual infantil (CSAAS) era de fornecer um roteiro para que clínicos poderiam entender porque vítimas de abuso dentro da família poderiam ser hesitantes em revelar abuso. O modelo de Summit incluiu cinco componentes: (a) sigilo; (b) desamparo; (c) aprisionamento e acomodação; (d) revelações atrasadas, conflitantes, e pouco convincentes; e (e) retração da revelação.
 

Os autores do estudo explicam que as teorias de Summit alcançaram grande repercussão, sendo determinativas em várias condenações por abuso sexual - condenações depois revertidas. Citam uma outra obra dele:

 
Apesar desta afirmação, porém, o artigo de 1983 de Summit não incluia dado nenhum, e parecia apoiado em intuição clínica. Quase uma década depois, em 1992 Summit clarificou, "Deve ser entendido sem reticência que CSAAS é uma opinião clínica, não um instrumento científica."
 

A conveniência desta teoria para policias e promotores é claro. Quando uma suposta vítima nega abuso, isso não detona a acusação. Não, fortalece, pois a vítima negado o abuso faz parte do modelo!

A acusação vem tarde, cheia de contradições, e é inacreditável? Fique tranquilo, pode acreditar no inacreditável, pois faz parte do modelo!

Se a vítima acusar, é prova de abuso; se a vítima negar, é prova de abuso. Faz parte do modelo!

O modelo é um sonho para a promotoria, mas um pesadelo para a defesa. Não há lugar para prova que ataca a versão do psicólogo, interprete da criança. Não há lugar para inocência. Nem para Popper.

Levando esta teoria às últimas consequências, na caça às bruxas de Wenatchee, no estado de Washington, EUA, uma adolescente foi internado numa clínica psiquiátrica fechada, e dado remédios psicotrópicos, para "vencer sua negação do abuso que sofreu". A vítima negava a versão da psicólogo, e precisava ser dobrada, doer a quem doer.

Negação, revelação, e Quine

Chegamos a outro filósofo, Willard van Orman Quine, e seu celebre frase, "To be is to be the value of a bound variable". Celebre, pelo menos, entre os afincos de lógica simbólica. A frase tem a ver com as afirmações ontológicos (do que existe ou não existe) de sistemas lógicas. Deve existir não somente uma tradução oficial para a frase, mas um original oficial no português, pois na Segunda Guerra Quine ficou em São Paulo como tenente da marinha americana, e até escreveu umas obras em português. Mas não sei o que é versão que ele escolheu para este frase, no vernacular nacional.

Vamos olhar dois termos queridos dos profissionais de abuso sexual, "negação" ("denial") e "revelação" ("disclosure"). As palavras carregam consigo implicações ontológicos. Se a criança "revela" ou "descortina" abuso, bem, o abuso está ali, fato objetivo e incontrovertido, e a criança simplesmente parou de lhe esconder. Se a criança esta "em negação", de novo, abuso é um fato real, objetivo, que a criança está relutando em admitir.

É menos uma técnica lógica do que um truque retórico. Poderoso para desviar mentes da busca de verdade. Reconhecendo ele, perde seu poder de iludir.

Sem base fatídico

Voltando para a obra REVELAÇÃO, os autores informam que:

 
Para adiantar as conclusões desta obra, nós concluímos que apesar de que uma proporção substancial de crianças adiam ou nunca relatam incidentes de abuso (a etapa de sigilo), há pouca evidência para sugerir que negações, recantações, e re-revelações são típicas quando crianças abusadas são questionadas diretamente sobre abuso.
 

A teoria estabelecida de Summit, com seus cinco etapas, não é ciência. Que o próprio criador admitiu. Ele tirou a teoria do pleno ar, ou de outro lugar também grafado com somente duas letras. Os dados empíricos desmentem grande parte da teoria.

Em outras palavras, Summit é um homem falando bobagem.

Mas porque a teoria foi tão bem aceita?

Devemos nós perguntar, então porque a teoria foi tão bem aceita, por tanto gente, durante tempo, se não for ciência?

E porque devemos perguntar? Porque não somente os outros falam bobagem. John Alexander Smith não disse, mas meu orientador da faculdade, Scott Soames, certa vez me falou, "Sempre devemos escrever filosofia de tal maneira de que, se estivemos errados, ficaria óbvio." A capacidade de reconhecer quando a gente mesma está falando bobagem não é o menor fruto de educação.

Quem programa computadores gasta muito tempo procurando os próprios erros, no chamado "debugging". É um ofício que quem não tiver a capacidade de autocrítica, deve abandonar. Digo que sou um excelente programador, em grande parte pela minha capacidade de procurar e retificar meus próprios erros.

Teste de sanidade

Quando vimos muito gente indo numa direção, e estamos indo na outra, é um sinal para fazer uma autocrítica, conduzir um "teste de sanidade", para ver se não esteja nós da minoria que estão incorrendo em erro. Quer dizer, falando bobagem.

Na programação, ou na ciência, o jeito é testar se os resultados produzidos pela programa, ou pela teoria, batem com a realidade. Dá números corretos? Explica os dados?

Aqui no blog, examinamos os fatos do caso Colina do Sol de todas as maneiras possíveis. Tive o sorte que O Moleque que Mente® fez uma afirmação - que me viu antes na "casa com o portão que vai para cima" - que eu sabia era redondamente falso. A assistente social Cláudia de Cristo abraçou (se não foi que incentivou) e correu até a promotora Natália Cagliari (é somente 250 metros, poderia ter mesmo corrida), que engoliu, e levou à Mma. Juíza Ângela Martini, que aceitou e grampeou meu telefone. A "técnica facilitadora" do Projeto Depoimento sem Dano, ouviu esta mentira entre outra afirmações, e elogiou o "discurso genuíno" do Moleque.

Vimos muitos outros fatos relatados pelo Moleque® - como os três bebês no banho, e as supostas fotografias na casa de Fritz, para onde Cleci não foi mas ainda assim saiu nas fotos - que confirmam, que o Moleque® mente.

Nós aqui passamos no teste de sanidade. São os outros - a assistente social, a promotora, a juíza, a "facilitadora" - que não conseguem perceber quando estão ouvindo, e acreditando, bobagens.

O que explica tudo, explica nada

Os textos abandonados nas últimas semanas andavam em círculos. A teoria CSAAS guarda muitos semelhanças com a filosofia Escolástica da idade média, cujo lógica já carregava suas conclusões nas premissas. A lógica escolástica conseguia "provar" qualquer coisa, e por isso não servia para provar coisa alguma. Faz parte da história da filosofia, como "flogusten" faz parte da história de química. Mas não tem papel no mundo moderno.

O CSAAS parece feito não para analisar acusações de abuso, mas para as validar. Para qualquer fato que desmente a acusação, a teoria tem uma precepto para descartar-lo. As histórias são fantásticas? "Crianças apelam para a fantasia quando a verdade é doloroso demais". A criança nega? "A negação é uma das etapas do síndrome." Contou histórias contraditórios? "Faz parte do síndrome."

Tudo que a criança fala que é desmentido por fatos objetivos, ou claramente impossível, há explicação. Menos uma alegação de abuso, pois "criança não mente sobre abuso."

A teoria, proposta sem dados, dispensa fatos. Escolhendo as vítimas e as acusações certos, permite montar um caso contra qual não há defesa. Ninguém consegue arregimentar fatos, contra uma teoria destas. A menos que reconhecerem, como o estudo citado acima comprava, de que quem prega esta teoria, está falando bobagem.

Felizmente, no caso Colina do Sol, o delegado, a promotora, e as assistentes e psicólogas sortidas, deixaram de cumprir suas tarefas na receita imbatível de CSAAS. Escolherem mal as vítimas e as acusações, e nem esta teoria, que pode validar e comprovar quase tudo, pode ser esticada a cobrir as acusações d'O Moleque que Mente®.

Veremos.

2 comentários:

  1. A teoria do CSAAS parece ter uma forte influencia da psicanalise.

    Como dizem a CIENCIALIST:
    "A psicanálise ou é pseudo-ciência ou, no máximo, apenas uma disciplina da filosofia. Na psicanálise não há proposições que possam ser testadas empiricamente. Existem apenas historinhas bonitinhas, que algumas pessoas
    "sentem" que são corretas. Mas há tantas coisas que as pessoas "sentem" que estão certas e que no final das contas se mostraram apenas falsas..."

    "Psicanálise está para a Ciência assim como Astrologia está para Astronomia."

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  2. Mais um comentário sobre a psicanalise:

    "O interessante da psicanálise é que ela explica tudo. Se um sujeito se atira no rio para se matar, Freud explica. Se o amigo dele se atira atrás, arriscando sua vida para salvá-lo, Freud explica também! E, como sabemos, uma teoria que explica tudo, na verdade não explica nada.

    Freud foi importante por ter dado início ao estudo científico da mente, mas, no início do século XXI, a psicanálise pode ser confortavelmnente classificada como pseudociência."

    da lista ciencialist :)

    Podemos destacar: uma teoria que explica tudo, na verdade não explica nada e esse parece ser o caso do CSAAS.

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