quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A morte de Zeca Diabo

O caso Colina do Sol - tanto a farsa contra os sete acusados, quanto a impunidade do gangue da Colina - tem como cenário freqüente o Fórum de Taquara. O que acontece no caso, e ainda mais o que deixa de acontecer, tem como palco o Fórum.

É só olhar ao lado direto do blog, onde há uma longa lista dos processos que brotaram do desejo do gangue de expulsar gente das suas casas, e roubar seus bens.

Eu estava no Fórum ontem a tarde, na Sala do Juri, assistindo o processo do assassinato de Ezequiel Sílvio dos Santos, conhecido como "Zeca Diabo".

Eu nunca ouvi falar antes da Zeca, cujo vida curta incluiu várias passagens pelo Febem antes de terminar no tarde de 8 de março de 2003, quando ele morreu com três tiros, dois dados pelas costas, no campo de futebol da rua Picada Gravata onde tinha acabado de jogar uma partida.

Personagens

É um hábito meu de sempre tentar ver pessoas envolvidos nos assuntos em que estou trabalhando. As vezes aprendo algo, nem sempre o esperado: por exemplo, de que é possível chegar a dois metros do ministro de Defesa do Brasil sem credenciais nem gravata. Mostra a diferença entre Brasil que tem ministro de Defesa, e os EUA quem tem ministro de Guerra sob outro nome.

O juiz da morte de Zeca Diabo é Mm. Juliano Etchegaray Fonseca, o mesmo que percebeu o concilium fraudis entre CNCS, Naturis, e Celso Rossi, e agiu prontamente, revertendo a falência. No outro lado, é ele também que não viu urgência nenhuma em Cristiano Fedrigo sendo posto fora da sua casa pelo CNCS. O CNCS argumentou que agora que já tinham matado a mãe dele, Cristiano não tinha mais direto de passar pela portão que CNCS construiu na estrada municipal.

As duas decisões são de grande importância para a resoluão dos problemas que me trouxeram para Taquara. Bom, então, tentar entender algo a mais sobre o homem.

Também presente foi a promotora Dra. Lisiane Messerschmidt Rubin, que também viu indícios de fraude na falência, e logo vai resolver se faria denúncia, e de quem.

Escolhendo os jurados

Cheguei uns minutos depois da hora marcada de 13:45, e havia umas 30 pessoas presentes - a platéia da Sala de Juri comporta somente 50. Na fileira na minha frente era pessoas de meia-idade, e meia-pardas, destoando da brancura e juventude de quase todos os restantes. Notei muitas mulheres jovens, e no corredor de meio, uma capacete cor-de-rosa chamava atenção.

Tempo passou, mas a platéia estava comportada. Depois um tempo, o juiz olhou para nós, e disse "Alguém sabe porque está demorando?" e explicou que o réu estava conferindo com o defensor.

Eventualmente começou, com a escolha do juri. Foi dito primeiro que ninguém poderia servir que era parente de alguém que atuou no caso, e ai veio uma longa lista de promotores, juízes, e desembargadores. Fiquei surpreso com quantos nomes reconheci: juizes de Taquara, o juiz substituto de Igrejinha, promotores, e muitos outros que também atuaram no caso Colina do Sol.

Sempre ouvi que juri no Brasil é bem diferente da população em geral, com um predominância de funcionários públicos aposentados: pessoas que sempre receberam contra-cheques sem atraso, cortesia do contribuinte, e que teriam dificuldade de entender porque as pessoas comuns não conseguem sempre pagar suas contas em dia.

Porém, somente um dos jurados, o quinto chamado dos sete, aparentava ter alcançado meia-idade. Os primeiros dois que foram da platéia para os assentos do juri (o mesmo lugar onde os acusados sentaram nas audiências do caso Colina do Sol) eram muito jovens mesmo, um aparentando uns 25 anos e outro talvez nem 20. Dois levaram seus capacetes de moto juntas, uma sendo a cor-de-rosa. Quando tinha sete (poucos foram preteridos pela promotora ou defensor, e sem perguntas de qualquer tipo) o restante do pool foi dispensado.

Todos os jurados escolhidos foram brancos, e somente um dos dispensados foi um negro. Poderia dizer que o Sul é assim mesmo, mas faz duas semanas assisti o juramento da bandeira, com todos os jovens de 18 anos de Taquara, e aqui há pretos e pardos, sim, e não são poucos.

Juiz de Direto Dr. Juliano Etchegaray Fonseca

Em pessoa, Dr. Juliano foi diferente do que eu tinha imaginado. É jovem, magro, aparentando uns 30 ou 35 anos, umas entradas no seu cabelo preto sendo o único marca de maturidade. Vestiu uma camisa de azul clara com um suéter verde e calça jeans, sem gravata. Outra talvez sinal de idade foi um relógio de pulso: não é daqueles que já descartou este invenção de Santos Dumont em favor do celular.

Eu tinha imaginado que seria alguém mais velho, talvez porque quando encontro juízes, tendem a ser do São Paulo Capital, e das camadas mais elevadas do judiciário. Como em todas as profissões, juízes também começam jovem, e começam em comarcas do interior, que nem Taquara.

Bom destacar a diferença entre ser sério, e ser solene. A solenidade sem a seriedade é uma doença ocupacional dos trabalhadores da Justiça. Não vi sinais deste defeito. A maneira dele mostrou confiança na sua autoridade. Qualquer um pode tratar um réu simples de "senhor", mas quando o réu se enrolou no seu depoimento - deixando a impressão que conversou com a vítima depois de deferir nela as balas fatais - Dr. Juliano conseguiu com perguntas e paciência extrair um relato coerente.

Verdadeiro, talvez não, mas o papel do juiz é de ser imparcial, não de deixar frases de dupla interpretação.

Dra. Lisiane Messerschmidt Rubin

A falência de Naturis deve logo chegar nas mãos da Dra. Lisiane, conforme o despacho mais recente do Dr. Juliano, a não ser que vai para o Ministério Publico Federal. Alguém que seria bom entender, então.

Dra. Lisiane, até mais jovem que o juiz, vestia preto no tarde do julgamento, com saltos bastante altos, e cabelo loiro até os ombros. Estava de calças, mas não notei nenhuma mulher de saia ou vestido.

Ela falou, como o defensor depois dela, bem de frente para os jurados. Para os quatro jurados na fileira de traz, deu o processo para poderiam acompanhar seus argumentos, e para os de frente, mostrou sua própria cópia, liberalmente marcada com aqueles papeizinhos amarelos autocolantes. Ela pediu desculpas para a qualidade das poucas fotos, dizendo que os recursos da Polícia Civil eram parcas, ainda mais em 2003.

Jorge, o réu, se diz assaltado

Jorge, o réu, ficou no mesa no lado aposto da sala, olhando para o juri, no mesmo assento que era do Dr. Marcelo no julgamento do caso Colina. Jorge é baixinho - 1,52, conforme ele - com barba curta, e com a cara meio avermelhado. Estava com ar entristecido, que dado as circunstâncias, é compreensível.

O julgamento começou com Jorge contando seu versão dos fatos. Um vizinho tinha informado que foi Zeca, que tinha fama de ladrão e várias passagens pelo Febem, que tinha assaltado a casa da filha do Jorge, e Jorge ainda disse que Zeca o chamou de "trouxão". No dia do crime, Zeca - que tinha 1,80 - no meio da rua, exigiu o celular de Jorge sendo negado, levantou a camisa, como quem sacaria arma, e Jorge, para se defender, deferiu três tiros.

Que foi ele que matou Zeca, ele não negou.

O juiz perguntou ao Jorge se uma arma realmente foi encontrado com Zeca, e o réu "reservou-se a não responder".

O defensor tentou estabelecer que o réu era um "cidadão de bem", com 24 anos em Taquara, no seu emprego atual um ano e oito meses, e algo que o defensor enfatizou como se fosse um atestado cabal de bom comportamento, "de carteira assinada".

E, ainda, o pai do Zeca teria pregado em frente da casa de Jorge, um sarrafo com uma tira da bermuda do falecido, que presumo seja alguma macumba.

Dra. Lisiane lê o processo

O interrogatório inicial deixou a nítida impressão de um homem, não dos ricos, mas trabalhador, que defendeu seus. Porém, Dra. Lisiane tirou uma outra história dos documentos do processo.

Começou explicando a diferença entre dolo e culpa - algo que já expliquei várias vezes para gringos, no caso do Gol 1907 - e explicou bem. Explicou os deveres do juri, ao que vamos voltar no final.

Pequenos furtos

Zeca Diabo tinha sim a fama de ladrão, Dra. Lisiane diz, mas de pequenos furtos. Subtraia objetos, sempre sem violência. Assaltava casas talvez, mas não pessoas, e se ainda que tinha sim passagens pelo Febem, não tinha fama de violento ou perigosa.

No dia da sua morte, Zeca tinha passado um tempo no bar em frente do campo de futebol. Conforme duas testemunhas, estava bebendo um refrigerante de dois litros. O exame do sangue dele não encontrou nem álcool nem drogas.

Jorge era conhecido do dono do bar, tinha almoçado lá aquele dia com ele, e ajudava no bar. Foi ele que serviu o Pepsi-Cola, seu último refrigerante, para Zeca Diabo, e alguém estranhou que Jorge perguntou três vezes, "Tá gelado?"

Um outro Jorge ...

Dra. Lisiane mostrou um outro Jorge: viciado em bebida alcoólico, violento quando bebe, e que costumava andar armado. E também com passagens pela polícia (estou surpresa que ela poderia falar de coisas nunca comprovados em frente do juri), incluindo uma condenação por recepção, um crime não tão diferente de furto. E naquele tarde fatal enquanto Zeca Diabo estava bebendo refrigerante, Jorge tomava cerveja. E conforme testemunhas, fazia olho feio para Zeca.

... e várias outras versões

A versão do crime no inquérito também foi diferente - realmente, Jorge tinha contado varias versões antes, inclusive de que a arma era de Zeca (1,80) e que Jorge (1,52) tinha a tirado dele.

O que a autopsia mostrou

Zeca Diabo levou três tiros: um no braço, e duas de costas. Dra. Lisiane mostrou no seu próprio corpo onde as balas entraram, uma na altura da 19ª costela, quase no ombro.

Conforme testemunhas, quando Zeca saiu do campo de futebol, Jorge o segui de bicicleta, e falou "Tu não vai roubar de mais ninguém". O primeiro tiro pegou Zeca no braço, e ele correu para o campo de futebol. Os outros tiros o pegou de costas, e caiu uns 15 metros da concha, pedindo socorro. Mas ninguém o ajudou.

Assim morreu Ezequiel Sílvio dos Santos, "Zeca Diabo", brasileiro, 20 anos, num campo de futebol no final de um tarde de verão.

O recado do juri

O juri, Dra. Lisiane falou, está julgando não o réu, mais o crime. "Há cada vez mais homicídios em Taquara, porque gente ache que nada vai acontecer mesmo." Taquara está em terceiro lugar em homicídios. Pessoas pode achar que a vítima "não prestava mesmo", "deixe para lá", "estamos em 2009, e aconteceu em 2003."

Não, falou Dra. Lisiane. "Não é Jorge que pode resolver se mate ou não mate. ... Ele fica impune, é a juri falando que pode matar quem quiser."

"O Estado tem que dar uma resposta para um crime. ... É crime, e tem que responder. Tem uma característica de prevenção. ... A decisão e a pena tem repercussão lá fora."

E o defensor

Não fiquei para a fala do defensor, porque tinha outros compromissos. Injusto, então, criticar o que ouvi do que ele falou, quer poderia ter mudando em tom do começo - espero que mudou.

Citando nomes

Nem sei se Jorge foi condenado ou não, então não coloco seu nome. Mas colocou o nome do "Zeca Diabo" porque depois de seis anos, talvez sumiu até do túmulo dele. Pode não ter sido um cidadão dos melhores, mas com 20 anos, tinha tempo para se endireitar. Deveria ter tido tempo. Com certeza não mereceu morrer como morreu. Dra. Lisiane, pelo que vi, tratou sua memória com dignidade.

Talvez se alguém teria tratada a vida dela com o mesmo carinho que Dra. Lisiane tratou sua morte, seu destino teria sido outro.

O recado da Dra. Lisiane

Concordo plenamente com o redado de Dra. Lisiane, de que a impunidade dá o recado que pode matar quem quiser. E só porque acusou a vítima de um crime, não quer dizer que pode praticar qualquer crime contra ela.

A teoria é bonita. Mas na prática, funciona? O Estado defende quem sofre furto, quem sofre ameaça, quem quer viver em paz e ter seus diretos respeitados? Especialmente se estes estão sendo agredidos por alguém que os acusou de crime?

O recado do Fórum de Taquara

Lamento dizer, mas me parece que o recado da Dra. Lisiane é dirigido a um mundo ideal, e não ao mundo englobado pela comarca de Taquara.

A Dra. Lisiane está certo. Mas quando a polícia e o Fórum faz vistas grossas para alguém que, armado, faz repetidas ameaças de morte, o que pensar? Quando um tentativa de incéndio criminoso, que bem que poderia ter matado duas senhoras indefesas, não recebe uma visita sequer da polícia, o que dizer? Quando as vítimas, levando suas queixas, são destratadas como se fossem os criminosos, o que aconselhar?

Para alguém que está sendo aterrorizado por um gangue, um gangue de pessoas que cada dia ficam mais desequilibradas, para alguém aguardando para que um autoridade, qualquer autoridade, desse uma basta, mostrasse que a lei é para todos, como eu posso explicar que nada acontece porque ... faz três semanas o caso “esta aguardando juntada”.

Sim, no Fórum de Taquara leva três semanas fazer dois furos num papel, e com cada um destes vinte e um dias e noites, aumenta a chance que um bandido de identidade conhecido e ficha criminal notória faria dois furos em alguém.

Mas no Fórum de Taquara leva três semanas fazer dois furos num papel.

Que esperança posso dar? "Fique fria, porque se ele mate você e sua familia, como ele abertamente ameaça fazer, quando vocês está seis anos na cova, a Dra. Lisiane vai comover o Juri"?

Se fosse na terra da lei ...

O recado da Dra. Lisiane vale nums terra da lei, onde os criminosos temem que haverá consequëncias. Onde quando alguém branda uma arma e diz que vai matar, é detido antes que pode agir. Onde alguém que constroi uma cancela numa estrada pública e passa a determinar quem pode ir ou não para sua própria casa, recebe uma visita de um trator amarelo, e não permissão de continuar assim por mais dois meses.

Veja ao lado. Há uma longa lista de pedidos para as autoridades de Taquara, à pólicia ou ao Fórum, para que fazem alguma coisa, mínima que seja, contra as flagrantes violações da lei e da Constituição pelo gangue que tomou conta da Colina do Sol.

É demais esperar que alguém não seja repetidamente ameaçado de morte por um criminoso notório empunhando arma? É demais esperar que alguém pode ir para sua própria casa, ou levar para lá quem quiser, ou contratar quem quiser para lá trabalhar?

De quem deve zelar pela lei e pela ordem, receberem somente a inércia, a demora, e o desdém. Pediram que o gangue fosse dado um cartão vermelho, e a inação lhe deu uma carta braca.

O recado da Dra. Lisiane é para um mundo ideal. Não é para este mundo aqui, na comarca de Taquara.

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