domingo, 24 de julho de 2011

Trêz vezes Trindade

O nome de Jorge Trindade apareceu três vezes como autoridade em psicologia e pedofilia no caso Colina do Sol. Porém, sua voz não foi ouvido no processo. Porque?

Um breve biografia de Jorge Trindade pode ser encontrada no site da Tribunal Regional de Trabalho da 4ª Região, onde ele deu uma palestra ano passado (e de onde veio a foto ao lado). Conforme o TRT:

Professor Jorge Trindade, graduado em Direito e Psicologia, Fundador da Escola Superior do Ministério Público, Coordenador do Curso de Especialização em Psicologia Jurídica, Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica, Professor do Curso de Mestrado em Criminologia da Universidade de Aconcágua (Argentina). Trindade também já foi Promotor e Procurador de Justiça.

No site dele mesmo, há outro biografia, menos virado para o perfil jurídico:

Prof. Dr. Jorge Trindade: Psicoterapia, Psicologia Clínica, Laudos e perícias.
CRP: 07/3962

Prof. Jorge Trindade Professor Titular da Universidade Luterana do Brasil. Professor do Curso de Especialização da Criança e Adolescente da Fundação Escola Superior do Ministério Público. Professor do Curso de Mestrado em Criminologia da Universidade de Aconcágua (ARGENTINA). Mestre em Desenvolvimento Comunitário (1996), Doutor em Psicologia (1998) e Livre-Docente (2000). Membro Associado do Colégio Oficial de Psicólogos da Espanha e da International Academy of Law and Mental Health. Recebeu o Prêmio Henrique Bertaso (1994). Atualmente é Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica (SBPJ) e Vice-Presidente da Associação Latino Americana de Magistrados e Operadores de Criança, Adolescência e Família. Autor de diversas obras, dentre elas: Manual de Psicologia Jurídica (5ª. Ed); Pedofilia: aspectos psicológicos e penais; Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisciplinar (3ª. Ed); Psicopatia: a máscara da Justiça e Psicologia Judiciária para a Carreira da Magistratura.

As qualificações de Trindade, psicólogo e ex-procurador de Justiça, parecem de 24 quilates. Mas além destes dois biografias, vamos consultar o bibliografia do homem. A lista dos seus cinco livros começa com "Psicologia Jurídica" e a última na lista é "Pedofilia":

Pedofilia
Autores: Jorge Trindade e Ricardo Ferreira Breier
Editora: Livraria do Advogado
Páginas: 127

Conclusões terminativas sobre o tema da pedofilia são difíceis. Entretanto, parece não haver dúvida de que pedófilos representam um grande risco para a criança, para a família, para a sociedade e para a justiça, uma vez que é tormentoso encontrar o equilíbrio entre castigo justo, segurança social e reabilitação. Direito e psicologia precisam urgentemente dar as mãos, se não quiserem oferecer uma leitura simplista e unilateral para um fenômeno tão complexo como o da pedofilia.

Enquanto o sumário tem um certo cheiro das fogueiras de bruxas, é notável que em um parágrafo neste assunto antipático aparece a palavra "equilíbrio" e uma advertência contra "uma leitura simplista e unilateral".

Professor doutor Jorge Trindade é, pelo jeito, uma autoridade nacional, mas o endereço do seu instituto, no bairro de Moinhos do Vento em Porto Alegre, traz a conveniência de ser local.

Parece a escolha óbvia para atuar no caso do "maior rede de pedofilia de Rio Grande do Sul." E posso confirmar que o nome dele surgiu, sim, três vezes. Porque não atuou? Hoje, ao contrário do nosso procedimento habitual de citar documentos, vou ficar no "ouvi dizer", e no que eu mesmo fiz.

A família de Cleci procure um psicólogo

Cheguei em Taquara pela primeira vez (ainda que deveria ter passado pelo município em volta de 1990, indo para Gramado) em março de 2008, três meses depois as prisões, com o apoio de Silvio Levy que tinha defendido publicamente os acusados e era o maior investidor na Colina do Sol. Cristiano Fedrigo me recebeu no rodoviária, e me apresentou a umas das "vítimas" e suas famílias.

A prudência padrão me fez visitar uns dos lugares que aparecerem na trama, sem a ajuda nem o conhecimento de Cristiano. O que ouvi do gerente do Barracão de Morro da Pedra, do Secretário Municipal de Esporte e Turismo, e de outros, confirmou o que já suspeitei: que os acusados estavam falando a verdade, e os acusadores e a polícia, mentindo.

Outros contatos na primeira visita foram com o advogado de Dr. André e Cleci, Dr. Ademir Costa Campana, e com a família de Cleci.

Dr. Campana é um criminalista do interior, enquanto os advogados de Fritz Louderback, da capital, eram especializados em crimes de colarinho branco, que no Brasil quer dizer, em que o acusado não vai preso. Cada estilo de advocacia tem seu lado forte e seus pontos fracos, mas felizmente, são diferentes.

Um das problemas sendo enfrentados pela família de Cleci era de indicar um psicólogo para atuar no processo. Tinham poucos dias - três, se me lembro - para sugerir um nome, e o assunto fugiu da área do Dr. Campana.

Conversei com o advogado de Fritz, e ele sugeriu o nome de Jorge Trindade, e me mostrou um dos livros dele. Repassei a sugestão para a família de Cleci.

Pedindo socorro da FAB

Enquanto a sugestão advindo de um elegante advogado de Porto Alegre parecia uma indicação forte, presente neste momento é sempre o lado financeiro. A família do acusado geralmente gasta tudo que tem, com o melhor advogado que suas condições permitem. Ainda, um criminalista me explicou anos atrás, com esta acusação e a ampla cobertura da imprensa, ele precisaria cobrar mais - sendo que a imprensa já o trataria como vilão, o "defensor do pedófilo".

Alguém com as qualificações de Trindade não seria barato, pensei. Mas onde encontrar outra sugestão? Não sou brasileiro, muito menos gaúcho, e não tenho um baralho de antigos colegas de escola para quem posso apelar numa hora destas.

Mas em outubro de 2007, numa palestra de segurança aérea, eu tinha encontrado a psicóloga da FAB que cuidava dos controladores de CINDACTA I antes da colisão do Gol 1907 com a Legacy. Ela era simpática, Fritz Louderback é piloto militar aposentado, e a carreira militar é notória para sua mobilidade. Talvez ela conheceria alguém da sua profissão, que agora se estabeleceu em Rio Grande do Sul.

Procurei nos contatos, e pedi uma indicação. Ela me deu a nome de uma colega em Rio Grande do Sul, para quem eu liguei do orelhão do aeroporto de POA. De orelhão não porque suspeitava que meu telefone estava grampeado - e já estava mesmo - mas porque era a maneira mais barata.

A colega ouviu com atenção, e mostrou que entendeu o problema. Mas era fora da especialização dela. Porém, ela poderia sugerir o nome de um especialista.

O especialista que ela recomendou, era Jorge Trindade.

A terceira citação

A terceira vez que o nome de Jorge Trindade apareceu no caso, era realmente a primeira. Mas eu só fiquei sabendo tempo depois, quando vi o relatório do delegado Juliano Brasil Ferreira, finalizando seu inquérito no caso Colina do Sol.

Pois o primeiro parágrafo do relatório do delegado, é uma citação do Jorge Trindade. E ele é citado depois, para justificar a falta de evidência médica para sustentar as acusações.

Porque não foi ouvido, então?

Citado pelo delegado, recomendado à defesa, autoridade nacional e residente local, porque professor Jorge Trindade não foi ouvido no caso Colina do Sol?

Os autos de um processo, os pilhas de papel - neste caso, atualmente uns 24 volumes - na teoria, contém tudo que aconteceu no curso do processo.

Mas não tudo, é claro. As duas recomendações de Jorge Trindade à defesa, não constam, nem devem. O motivo que o eminente professor/psicólogo/promotor não foi ouvido, não sei que consta. Mas vou contar o que eu ouvi.

O que eu ouvi, é que as famílias de Cleci e de Dr. André falaram mesmo com Jorge Trindade, e chegaram num acordo sobre sua participação, e seus honorários.

Porém, a promotora Dra. Natália Cagliari se opus ao participação de Dr. Trindade, e ele se retirou do caso.

O que a promotora não gostou

Pela versão que ouvi, a Dra. Natalia tinha uma amiga que era aluna de Jorge Trindade na ULBRA em Canoas, e ele teria comentado numa aula sobre o caso Colina do Sol: notícia nacional, acontecimento local, e bem no assunto do curso, psicologia jurídica.

O comentário atribuído ao professor Trindade, era de que as acusações no caso Colina do Sol eram falsas.

Não se pode negar que um perito deveria estudar os fatos num caso, antes de emitir um juízo de valor.

Também, não há dúvida de que o advogado da defesa poderia pedir o afastamento de um perito que já tinha uma opinião formado, contrário ao interesse do seu cliente. Poderia e deveria, o papel do advogado é de defender seu cliente.

Porém, o papel do Ministério Publico é de defender a sociedade, de promover justiça. Quando a Dra. Natália ouviu que um eminente expert, citado pelo próprio delegado, disse que as acusações eram falsas, ela deveria ter agido para fortalecer a chance de uma condenação?

Ou ela deveria ter feito uma pausa, para pensar?

Quando as "vitimas" negaram em juízo dentro do Fórum, e em passeata fora dele, de que os acusados eram inocentes, ela deveria ter feito uma pausa para pensar? Ou bolado uma teoria de que foram comprados, e ainda, se venderem bem baratinhos?

Quando laudo depois laudo voltou dizendo que não tinha nada contra os acusados nos micros, nas fitas, nas máquinas fotográficas, ela deveria ter feito uma pausa para pensar? Deveria ter notado o tempo extraordinário e injustificável que a polícia segurava os exames já prontos do IGP/IC? Ou ela deveria pedido, como de fato pediu, mais exames, esperando sempre que alguma coisa apareceria para sustentar a denúncia que ela tinha feito?

Dava para saber?

O comentário de Jorge Trindade, sobre um caso em que ele não examinou nem as vítimas nem os acusados, é ultraje? Creio que não.

Acusações falsas nestes casos são bastante comuns. Outro psicólogo do Estado, consultado pela juíza, informou que em volta de metade destes acusações são sem fundamento. Senador Magno Malta disse, depois do encerrado seu CPI, "De cada 10 denúncias de pedofilia envolvendo pais separados que chegaram à comissão, seis ou sete são crimes de alienação parental. A pessoa quer se vingar e faz a denúncia. Essa é a estatística de casos que chegaram a minha mão. É uma grande irresponsabilidade. Falsa comunicação de crime é crime." (http://www.apase.org.br/11000-leialienacaoparental.htm)

A conclusão de Trindade baseado somente na mídia, não é em nada mirabolante: pela estatística, é cara-ou-coroa.

Geralmente, dá para saber baseado em o que não sai na mídia. O delegado anuncia que as vítimas serão examinados por uma psiquiatra. Acontece o exame, e é de esperar a notícia que as crianças confirmaram o abuso. Quando sai outra coisa - por exemplo, o delegado anuncia que "a psiquiatra confirmou o abuso", já se sabe que as "vitimas" negaram. Quando estas tiverem 13, 14, 15 anos - chegaram à "idade de razão" - como neste caso, se negam a acusação, é falsa. No caso Colina do Sol informações públicas desmascararam que a psiquiatra era fajuta, mais uma confirmação da farsa.

Banido da entrevista

Mas, conforme ouvi, Jorge Trindade se retirou do caso. A reputação dele, já consolidada, não precisa de mais este caso, nem precisa o desgaste de brigar com uma promotora, cujo cargo tem um poder que ele já conhecia por já ter exercitado.

Ele sugeriu uma psicóloga que trabalhava no instituto dele, que poderia fazer o papel de perito no caso.

Então, quando supostas vítimas foram examinadas por uma psicóloga aprovada pela juíza, a assistente da defesa apareceu para a perícia.

Ela foi barrada da sala.

Conforme Dr. André Herdy me falou - ele é dentista e conhece bem o código de ética profissional de odontologia - os psicólogos tem um código de ética, que não permite que eles se opinam sobre quem não examinou. Examinar laudo de colega e dizer "não é assim, ele errou" é falta grave de ética. Se a assistente da defesa não poderia examinar o periciado, não poderia, então, discordar do laudo da acusação.

Dr. Campana apelou para que a assistente da defesa pudesse assistir a entrevista. O recurso está no STJ, Processo RMS 28617, Registro: 2009/0005129-8, e entrou na gabinete da Ministra Laurita Hilário Vaz em 23/07/2009, quer dizer, faz exatos dois anos. O Moleque que Mente®, que tinha uns 13 anos quando os supostos crimes teriam acontecido, teria uns 17 agora. Outro suposta vitima (para qual o exame psiquiátrico deu negativo) tinha 2 anos na época, e sua idade é o triplo agora.

Passou tempo demais. Um ordem da STJ para que as crianças sejam re-examinadas agora, seria do ponto de vista jurídico, inútil: seria como num assassinato procurar pólvora na mão do acusado um mês depois dos disparos. Do ponto de vista médico e ético, no seu livro No Crueler Tyrannies Dorothy Rabinowitz afirma que fazer criança acreditar que sofreu abuso, quando de fato não sofreu, faz tanto mal quanto abuso de verdade. Infligir esta bobagem nesta criança de novo, em nada lhe ajudaria, e pode lhe prejudicar em muito. Seria cruel.

Dois pesos, duas medidas

Como já falei, nossa preocupação aqui não é com o equilíbrio do processo sob o Código do Processo Penal, mas com a verdade dos fatos. A promotora tinha sim, formalmente, a opção de excluir um perito que já tinha uma opinião formada.

Mas moralmente, ela deveria ter perguntado para si mesmo, porque o expert preeminente, disse que as acusações eram falsas.

Caso a defesa tivesse excluído um perito com a reputação do tamanho da de Trindade, meus distintos colegas jornalistas teriam agarrado o fato como a prova de que os acusados eram, de fato, culpados. Por algum motivo, quando a mesma coisa é feito pelo Ministério Publico, as regras são outras.

Minha experiência neste caso, como em outras, é que enquanto a imprensa brasileira fala que é movido pelo desejo e pelo dever de informar, de fato o que lhe interesse é acusar. O que sustenta a acusação é veiculada com velocidade máxima para "furar" a concorrência. O que apoiar a defesa é sujeito a todo esforço de desqualificação. E caso sobrevive isso, bem, aí "não é notícia".

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