segunda-feira, 14 de abril de 2014

Queixa extinta

Em 2013, durante campanha eleitoral calorosa na Colina do Sol, houve uma troca de acusações, incluindo um desfile de naturistas na delegacia, resultado de ameaças e emails anônimos.

Houve vários boletins sobre irregularidades na Colina (e na Colina irregularidade é algo que não falta) que publicamos com textos explicativos, e inclusivo até publicamos resposta do eterno Capitão, junta com três conselhos nossos: "Fiquem focados nos assuntos importantes"; "Não julga no 'ele disse, ela disse' "; e " Age conforme o caso exige."

Sr. Etacir Manske entrou em 31/05/2013 com um processo contra os sócios da Colina que assinaram o Boletim. Enquanto não dá para saber do site do TJ-RS exatamente o que foi a reclamação do Etacir, ouvimos que ele não gostou da acusação, num destes Boletins, de que ele e Zumbi forjaram um contrato.

O processo de Etacir foi rejeitado, baseado em falhas na procuração (papel em que ele dá para seu advogado o poder de agir em seu nome) e na sua petição inicial. A falha poderia parece burocrática, mas a lei exige certas coisas para que no caso de falsa acusação, as vítimas poderiam processar o responsável. Sendo que nosso foco aqui é exatamente falsas acusações, achamos importantíssimo que quem provoca a Justiça sem motivo, responde.

Incluímos abaixo a decisão feita pela pretora Maria Inês Couto Terra em 3 de dezembro de 2013, extinguindo o processo. Importante destacar duas limitações da nossa transcrição:

  • No site do TJ-RS a decisão é apresentada como texto corrido, sem divisão em parágrafos nem negrito, itálico, etc. Para facilitar a leitura, chutamos a formatação, mas pode ser que há erros que retorcem o sentido.
  • Retiramos os sobrenomes dos acusados, que poderiam não querer alardar que frequentem uma área nudista, nem que foram réus num processo, ainda que venceram. Notamos que quando publicamos o Boletim do que Etacir reclamou, escondemos o CPF e RG dele, pelo mesmo motivo: poderia causar inconveniências, sem trazer esclarecimento para nossos leitores.

Finalmente, notamos que nestes Boletins e nas respostas a eles, uma bala jogado dos dois lados era que os vários "Conselhos" da Colina fazia julgamentos com base político. Cada lados reclamavam que o outro usava as regras e os "processos disciplinares" para punir quem descordava. Nenhum dos dois defendia que o estatuto e os processos disciplinares foram usados de maneira justa e isenta. O Capitão também reclamava da "... forma irregular, autoritária e irresponsável como foi derrubado o mato de eucaliptos", algo de que alertamos aqui faz cinco anos, com fotos.

Durante os anos em que enfrentava a acusações falsas de pedofilia provindo da corja da Colina do Sol, Barbara Anner, Fritz Louderback, e seus amigos e familiares enfrentaram este uso punitiva dos conselhos da Colina, sem que a polícia, a promotoria, ou a Justiça da Taquara levantassem um dedo para lhes defender dos abusos, sempre resolvendo que a Colina era um clube, com um estatuto. Temos nesta briga interna da Colina a confissão, dos dois lados, da função verdadeira do estatuto e dos processos disciplinares da Colina: um instrumento para punir desafetos. E somente isso.

Consulta de 1º Grau
Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul
Número do Processo: 21300019581
Comarca: Taquara
Órgão Julgador: 3ª Vara : 1 / 2
Julgador:
Maria Inês Couto Terra
Despacho:

Vistos.

Etacir Manske, ajuizou queixa-crime contra Claudete, Loraci, Luiz Inácio, Maria Candida, Marlene, Néri, Odoni, Raquel, ambos qualificados.

A promoção do Ministério Público foi nos seguintes termos:

Verifica-se que o querelante não juntou o instrumento de mandato (procuração) nos termos previstos no art. 44 do CPP, de forma que não estão presentes as condições exigidas pela lei para o exercício da ação penal privada. [...]

Razão assiste ao Dr. Promotor de Justiça, pois a simples menção ao nomem iuris ou ao artigo de lei não atende a finalidade do art. 44 do Código de Processo Penal, que é a fixação da responsabilidade por eventual denunciação caluniosa no exercício personalíssimo do direito de queixa. Neste sentido:

Apelação Crime. Decadência do Direito de Mover a Queixa-Crime. Ausência de Descrição do Fato na Procuração. Em face da decadência do direito de mover queixa-crime e de representear, não há como ser emendada a prefacial, como ocorre no processo civil, pretensão contida nas razões da presente impugnação. A lei exige descrição do fato na procuração. O que consta na procuração é 'calúnia'. Calúnia é a consequência do fato criminoso, não é, em si, o fato. Não constam na procuração elementares ou circunstanciais fáticas, mas o nomen juris, a simples menção a um tipo penal. RECURSO DESPROVIDO. POR MAIORIA (TJRS, Apelação Crime nº 70054716204, 3ª Câmara Criminal, Rel. Des. Jayme Weingartner Neto; Pres. e Redator Des. Nereu José Giacomolli, j. 3/10/2013).

No acórdão, o Des Nereu José Giacomolli, ensinou que:

[...] Segundo o artigo 44 do Código de Processo Penal: A queixa poderá ser dada por procurador com poderes , devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal. Em face da decadência do direito de mover queixa-crime e de representear, não há como ser emendada a prefacial, como ocorre no processo civil, pretensão contida nas razões da presente impugnação. A lei exige descrição do fato na procuração. O que consta na procuração é 'calúnia'. Calúnia é a consequência do fato criminino, não é, em si, o fato. Não constam na procuração elementares ou circunstanciais fáticas, mas o nomen juris, a simples menção a um tipo penal. Assim, penso não estar aparelhada a queixa-crime [¿].

E também:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INJÚRIA RACIAL. DECURSO DO PRAZO DECADENCIAL. REJEIÇÃO DA QUEIXA-CRIME E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. Muito embora ofertada dentro do prazo decadencial, a queixa-crime não foi firmada pela querelante e a procuração por ela outorgada não faz qualquer referência ao fato delituoso e ao nome da querelada, logo, não atende à finalidade a que visa o artigo 44 do Código de Processo Penal. Transcorrido o prazo decadencial sem que tenha sido regularizada a representação processual do signatário da inicial da queixa-crime, ainda que por fundamento diverso, é mantida a decisão que declarou extinta a punibilidade da querelada pela decadência. RECURSO IMPROVIDO (TJRS, Recurso em Sentido Estrito nº 700288183995, 2ª Câmara Criminal ¿ Regime de Exceção, Rel. Desª. Osnilda Pisa, j. 29/1/2013).

Explicita a Relatora:

[¿] Portanto, não consta do instrumento do mandato a menção do fato criminoso, como determina o artigo 44 do CPP. Aliás, sequer consta especificamente os poderes para oferecimento de queixa-crime ou qualquer referência aos dispositivos legais, em tese, infringidos pela querelada, que também não foi nominada na procuração. É certo que o Supremo Tribunal Federal entende que, a 'Procuração que preenche satisfatoriamente as exigências legais, sendo perfeitamente válida, na medida em que contém os elementos necessários para o oferecimento da ação penal e cumpre a finalidade a que visa a norma jurídico-positiva; qual seja, fixar eventual responsabilidade por denunciação caluniosa no exercício do direito de queixa'. (Inq 2036, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 23/06/2004, DJ 22-10-2004 PP-00005 EMENT VOL-02169-01 PP-00082 RTJ VOL 00192-02 PP-00555).

Todavia, a procuração outorgada pela querelante longe está de preencher minimamente as exigências legais. Pois bem, ainda que se trate de vício sanável, a regularização do mandato somente é possível dentro do prazo decadencial do artigo 38 do Código de Processo Penal, o qual, na espécie, já restou implementado. Nesse sentido, a jurisprudência:

1.Do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: EMENTA: - Queixa-crime. - Não-ocorrência da prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato. - A procuração outorgada ao advogado do querelante, ao se limitar a dar o "nomen iuris" dos crimes que a queixa atribui ao querelado, não atende à finalidade a que visa o artigo 44 do Código de Processo Penal, e que é a da fixação da responsabilidade por denunciação caluniosa no exercício do direito personalíssimo de queixa. Precedentes do S.T.F. - Ademais, essa omissão não foi suprida com a subscrição, pelo querelante, da queixa conjuntamente com seu patrono, nem é ela mais sanável no curso da ação penal por já se encontrar esgotado o prazo de decadência previsto no artigo 38 do Código de Processo Penal. Queixa-crime rejeitada. (Inq 1696, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 27/11/2002, DJ 07-03-2003 PP-00034 EMENT VOL-02101-01 PP-00031)

I.Do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. QUEIXA. CRIMES CONTRA A HONRA. INSTRUMENTO DE MANDATO SEM MENÇÃO AO FATO CRIMINOSO. OMISSÃO NÃO SANADA DENTRO DO PRAZO DECADENCIAL. NEGADO PROVIMENTO.

  1. O instrumento de mandato com poderes especiais conferido a procurador legalmente habilitado, para a propositura de queixa nos crimes contra a honra, que não contém a menção ao fato delituoso, constitui omissão que obsta o regular prosseguimento da ação penal, se não for sanada dentro do prazo decadencial.
  2. A falha na representação processual do querelante pode ser sanada a qualquer tempo, desde que dentro do prazo decadencial. Inteligência dos artigos 43, III, 44 e 568, todos do Código de Processo Penal.
  3. Negado provimento ao agravo regimental. (AgRg no REsp 471.111/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 04/08/2008)

HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. QUEIXA CRIME. PROCURAÇÃO IRREGULAR. ORDEM CONCEDIDA. 1. Constituiu óbice ao regular desenvolvimento da ação penal, a falta de menção do fato criminoso no instrumento de mandato visando à propositura da queixa-crime, que também não foi assinada pela querelante com o advogado constituído. 2. Segundo os artigos 43, III, 44 e 568, todos do Código de Processo Penal, a citada omissão só pode ser suprida dentro do prazo decadencial, tendo em vista que a expressão 'a todo tempo' significa 'enquanto for possível'. 3. Ordem concedida, declarando-se extinta a punibilidade. (HC 45.017/GO, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 07/03/2006, DJ 27/03/2006, p. 339)

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. QUEIXA-CRIME ASSINADA SOMENTE PELA ADVOGADA CONSTITUÍDA. INSTRUMENTO DE MANDATO SEM MENÇÃO AO FATO CRIMINOSO. OMISSÕES NÃO SANADAS DENTRO DO PRAZO DECADENCIAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A falta de menção do fato criminoso no instrumento de mandato, com vistas à propositura de queixa-crime, que também não vai assinada pelo querelante juntamente com o advogado constituído, é omissão que, se não sanada dentro do prazo decadencial, constituiu óbice ao regular desenvolvimento da ação penal, tendo em vista que o disposto no art. 44 do Código de Processo Penal tem por finalidade apontar a responsabilidade penal em caso de denunciação caluniosa, razão pela qual, mesmo que não se exija exaustiva descrição do fato delituoso na procuração outorgada, não pode ser dispensada pelo menos uma referência ao nomen iures ou ao artigo do estatuto penal, além da expressa menção ao nome do querelado. 2. Portanto, conjugando o disposto nos arts 43, inc. III, 44 e 568, todos do Código de Processo Penal, a falha na representação processual do querelante pode ser sanada a qualquer tempo, desde que dentro do prazo decadencial, sob pena de transformar a exigência legal em letra morta, sem qualquer sentido prático. 3. Ordem concedida para restabelecer os efeitos da sentença que declarou a extinção da punibilidade. (HC 39.047/PE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2005, DJ 01/08/2005, p. 486)

3. E desta Corte: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO SIMPLES. REPRESENTAÇÃO TARDIA. DECADÊNCIA. RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA NULIDADE DA AÇÃO DESDE O SEU INÍCIO E A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. Os apelos interpostos restaram prejudicados, pois extinta a punibilidade do réu. Tratando-se de crime de furto simples cometido por tio contra sobrinho, residentes sob o mesmo teto, a ação penal é condicionada à representação da vítima, ex vi art. 182, inciso III, do Diploma Penal. A representação, pois, é condição de procedibilidade, a qual, no caso em exame, ocorreu depois de escoado o prazo de 6 (seis) meses desde o conhecimento da autoria pelo ofendido. Destarte, extemporânea a representação, há de ser reconhecida a nulidade do feito desde a denúncia por carência de ação (art. 564, inciso II, do Código de Processo Penal). Por conseguinte, queda-se extinta a punibilidade do réu pela decadência (art. 107, inciso IV, do Código Penal). Prejudicados os apelos. DECLARARAM, DE OFÍCIO, A NULIDADE DA AÇÃO PENAL DESDE A DENÚNCIA, COM FULCRO NO ART. 564, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, E A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO RÉU, NOS TERMOS DO ART. 107, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL, JULGANDO PREJUDICADOS OS APELOS. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70050522762, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em 29/11/2012)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. AÇÃO PENAL PRIVADA. QUEIXA-CRIME. REPRESENTAÇAÕ NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. NÃO REGULARIZADA A REPRESENTAÇÃO ANTES DO PRAZO DECADENCIAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. A queixa-crime não está acompanhada da indispensável procuração representação ao signatário da peça inicial. A regularização do direito de representação pode ser feita de duas formas: a) se a inicial estiver assinada pelos querelantes, ou b) pela juntada do instrumento de procuração antes de encerrado o prazo decadencial. No caso, nenhuma dessas hipóteses se verificou. Transcorrido o prazo decadencial de 06 meses sem que tenha sido regularizada a representação processual do signatário da inicial da queixa-crime, impõe-se o reconhecimento do vício de representação, que torna o processo nulo desde o recebimento da denúncia, e a conseqüente declaração de extinção da punibilidade pela decadência. Ademais, em se tratando de ação penal privada, os representantes da Defensoria Pública do Estado, ao ajuizarem queixa-crime, não estão desobrigados da indispensável juntada do instrumento de procuração, para lhe garantir o direito de representação nos autos. Negado provimento. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70044302503, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 16/11/2011)

De igual modo, valiosa a lição de Julio Fabbrini Mirabete1:

44.1 Procurador com poderes especiais Além de preencher os mesmos requisitos da denúncia (art. 41), a queixa deve ser apresentada por procurador com `poderes especiais¿, ou seja, com instrumento de mandato em que conste cláusula específica a respeito da propositura da ação privada por determinado fato criminoso. É compreensível a exigência de mandato com poderes especiais, uma vez que entre as sérias consequências de uma ação penal está, inclusive, a possibilidade de ser imputada ao querelante a prática do crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP). Não é idônea para a propositura a procuração com a simples cláusula ad juditia, ou a outorga apenas para acompanhar o inquérito policial. As omissões, entretanto, consideram-se sanadas se o querelante assinar a quixa conjuntamente com o procurador. [...] Há evidente equívoco no texto do dispositivo legal: no instrumento do mandato deve constar o nome do `querelado¿ e não do `querelante¿, o que está ínsito na outorga da procuração. [...] 44.3 Omissão sanável É praticamente pacífico que as omissões das formalidades referidas nos itens anteriores sejam sanadas no curso da ação penal, desde que não esgotado o prazo decadencial. Feita após esse prazo, é inoperante, ocorrendo a causa extintiva da punibilidade.

A queixa deve ser rejeitada se as omissões não possam mais ser supridas dentro do prazo decadencial. Entretanto, com fundamento no art. 568, que prevê a possibilidade de ser sanada a ilegitimidade da parte a todo tempo, já se tem admitido a complementação até a sentença. Mas a expressão 'a todo tempo' significa, no caso, 'enquanto for possível', ou seja, enquanto não ocorrer a decadência. A ilegitimidade de parte, porém, não é sanável, devendo a queixa ser rejeitada. Assim, ainda que por fundamento diverso, mantenho a decisão que declarou extinta a punibilidade da querelada, em razão da decadência, nos termos do artigo 107, inciso IV, do Código Penal.

Diante do coligido, deixo de receber a queixa-crime intentada por Etacir Manske e declaro extinta a punibilidade de Claudete, Loraci, Luiz Inácio, Maria Candida, Marlene, Néri, Odoni, Raquel, em razão da decadência, forte no art. 107, IV, do Código Penal.

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