sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Os equívocos da MMa. Juíza: a cadeia de custódia

A sentença da MMa. Juíza de Direto Dra. Ângela Martini incorrem em equívocos acerca das evidências físicas, notavelmente os CDs. Ela disse nas fls. 5518 que:

Também assume essa condição - e agora estendo as considerações também aos demais acusados - o fato de ter sido apreendido (com as ressalvas já feitas no que diz respeito à consideração do material como prova) importante quantidade de material pornográfico, envolvendo crianças, às vezes bebês (!), tudo a gerar no quem atuou no processo, inclusive da signatária, verdadeira repulsa para se dizer o mínimo.

Porém, os documentos no processo mostram que nenhum "material pornográfico, envolvendo crianças" foi apreendido nas casas dos réus, ou tem valor de prova no processo.

Há aqui um evidente equívoco, que vamos examinar.

Este blog deu atenção especial aos evidências físicas, compilando uma lista unificada de informática (que não incluiu os CDs).

O equívoco da Dra. Ângela é de um certo modo compreensível. Eu lembro ter gasto uma semana para determinar quantos computadores foram apreendidos: os números divulgados pelos jornais mudavam constantemente, ao ponto que parecia que os laptops estavam se reproduzindo em cativeiro.

Sobre os CDs, já explicamos em detalhe, faz mais de dois anos, aqui. Em resumo, há o que chama no inglês de chain of evidence, o equivalente em português sendo cadeia de custódia:

Devido ao usual exercício do contraditório, a defesa poderá questionar no tribunal a legitimidade dos resultados da investigação, alegando que as evidências foram alteradas ou substituídas por outras. Devido à importância das evidências, é indispensável que o perito mantenha a cadeia de custódia.

A cadeia de custódia prova onde as evidências estavam em um determinado momento e quem era o responsável por ela durante o curso da perícia. Ao documentar estas informações, você poderá determinar que a integridade das suas evidências não foi comprometida.

A cada vez que as evidências passarem de uma pessoa para outra ou de um tipo de mídia para outro, a transação deverá ser registrada.

Para qualquer evidência, deveria ter um registro de onde foi pego, um laudo de apreensão; e quando vai para perícia ou para o Fórum, um ofício a transmitindo. Se não, não teremos garantia de que as evidências não foram falsificadas.

Autos de Apreensão: 43 CDs

Nos autos de apreensão constam 43 CDs. Os próprios Autos, que a juíza permitia que fossem colocados fora do "segredo de justiça" já colocamos, para a conveniência de nossos leitores. A contagem é explicita no postagem que já referenciamos hoje.

Depois de apreendidos, o que aconteceu com os 43 CDs?

27 CDs foram para o IGP/IC

Vinte e sete (27) CDs foram encaminhado para o IGP/IC com Ofício 3690/2007 de 14/12/2007 (fls 342), três dias depois da apreensão. O IGP/IC emitiu Laudo Pericial 24714/08 (fls 4605-4612), concluindo que "Nos CDs e DVD não foram encontrados arquivos com conteúdo relevante ao objectivo da perícia", e esclarecendo que se tratava de 26 CDs e um DVD.

16 CDs foram encaminhados diretamente para o Fórum

Citando de novo o postagem acima, vimos que:

Enquanto 27 CDs foram encaminhados para o IGP/IC já em 14/12/07, olhando os papeis fora de sigilo, encontramos nas fls 654/655 do processo (299/300 do processo de Novo Hamburgo), ofício 1049/2008 de 15/01/2008, em que delegado Juliano Brasil Ferreira encaminha o restante das evidências para a juíza:

Encontra-se no link o ofício do delegado encaminhando os CDs, com a contagem explícita.

Na Distribuição, 16+27=43 CDs

Vimos então que 43 CDs foram apreendidos, pelos Autos de Apreensão. 27 foram para a perícia em 14/12/2007, chegado na "Distribuição" no andar térreo do Fórum em abril de 2009. 16 foram encaminhados diretamente, e sendo que outras coisas identificáveis encaminhados com o mesmo ofício (como 'Três (03) DVDs — "Colina do Sol", "Werna Centre", Cristiano Pinheiro Fedrigo"') estão lá listados, há um forte presunção que as 16 CDs encaminhados pelo delegado Juliano, e os 16 CDs listados na Distribuição, sejam as mesmas.

Contabilizamos antes as evidências relacionadas ao caso: há 43 CDs.

Isso dá um total, na distribuição no andar térreo do Fórum, de quarenta e três (43)CDs. As autos de apreensão falam de um total de quarenta e três (43)CDs(2+28+1+12).

Os CDS apreendidos, então, foram todos para a sala da distribuição do Forum de Taquara, uns 27 deles depois de ter passeado pelo IGP/IC. Que certificou nada neles havia de interesse para o processo.

A utilidade da cadeia de custódia

Vimos então a beleza da cadeia de custódia. Há registro de onde as evidências vierem, de onde caminharam, e de onde chegaram.

A natureza dos 43 CDs

Revendo, pelos autos de apreensão, as evidências no caso incluem quarenta e três (43) CDs. Qualquer outro CDs não fazem parte das evidências no caso, e sua origem é desconhecido. Como notamos, vinte e sete (27) destes CDs, foram encaminhados em 14 de dezembro de 2007, para o Instituto Criminalística, que os periciou, constando que na realidade se tratava de um DVD e 26 CDs, e que Nos CDs e DVD não foram encontrados arquivos com conteúdo relevante ao objectivo da perícia.

Vamos ver aquilo de novo:

Nos CDs e DVD não foram encontrados arquivos com conteúdo relevante ao objectivo da perícia

E sendo que parece que há uma certa dificuldade em entender o laudo, vez outra:

Nos CDs e DVD não foram encontrados arquivos com conteúdo relevante ao objectivo da perícia.

O leitor atento, neste momento, vai se perguntar: mas os outros dezesseis CDs? Poderia ter pornografia neles?

Dos outros 16 CDs que estão dentro do processo, não há nenhum relatório pericial. Foram mandados para a sala da Distribuição no andar térreo do Fórum de Taquara em 15 de janeiro de 2008, e lá continuam. O ofício do delegado não faz nenhuma referência ao conteúdo.

Pode ter pornografia? Sim, e pode ter a fórmula secreta de Coca-Cola, os livros perdidos de Aristóteles, ou um filme da digníssima promotora Dra. Natália Cagliari dançando a can-can em Paris em 1923. A evidência para cada hipótese é igual, e nulo.

Nisso, vamos cita as palavras da MMa. Ângela Martina na sentença:

Terceiro, o ônus da prova é - e sempre será em um Estado Democrático de Direito - de quem acusa.

Se a Promotoria achava que tinha algo de interesse nestes CDs que a Polícia não viu, deveria ter pedido a perícia, e feito isso já faz cinco anos. Não fez. A presunção legal é que não há nada lá que sustenta a acusação, e a presunção legal é o mesmo: a polícia estava sem provas e não teria mandado 16 CDs para frente sem dar uma olhada antes.

E a contradição?

Ficamos com uma contradição: os Autos de Apreensão mostram 43 CDs, e seguimos pela cadeia de custódia estes 43 CDs para seu repouso no andar térreo do Fórum de Taquara, 27 deles ganhando na viagem um atestado de pureza, e havendo nada a sugerir qualquer coisa diferente sobre os outros 16. Como então a MMa. Ângela Martini chegou a dizer na sentença algo diferente?

Trataremos o origem do equívoco em nosso próximo.

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