sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Como ficou Cleci?

No anterior, vimos que dos 37 "fatos" da denúncia, 11 tem como vítimas os internos do finado orfanato Apromim. Estes são três meninos menores de dois anos na época, Noruega e os gêmeos; o Moleque que Mente®; e Cisne, esta última já sendo de maior na época, mas de capacidade mental limitada.

Destas 11 acusações, três foram baseadas na história de Cisne de que André deu um banho conjunto nos três pequenos, durante qual "passou mão" neles. Outros três acusações eram de que fotos foram tiradas durante este banho, e que André e Cleci passou a "armazenar tais imagens em CDs". Estas últimas acusações não foram baseadas em qualquer relato da polícia, nem sustentadas pelos depoimentos em juízo, nem pelas evidências, pois tais supostas fotos não existem nos CDs - nem nos 43 apreendidos na casa de André, nem nos outros 24 provindo não sei de onde, que a polícia entregou à Justiça - nem em qualquer outro lugar.

Antes de mergulhar outra vez nos detalhes do caso, vamos ficar um pouco na prática jurídica brasileira, e a prática neste caso específico. E a prática da imprensa. E hoje vamos ver a situação de Cleci.

A mutabilidade da denúncia

Uma diferença importante entre a teoria do processo nas tradições britânica e lusitânia, é que nos EUA, o réu somente pode ser condenado daquilo do que é acusado. Vamos por, se durante o curso de quase quatro anos deste processo, tivesse realmente aparecida uma prova de crime, como uma foto pornográfica de um menor de Taquara. Nos EUA, provocaria nova denúncia e novo processo. No Brasil ou Portugal, a denúncia pode ser alterado até os argumentos finais.

Nos já vimos como isso funcionou no caso Casa Pia em Portugal. Os reus comprovaram álibis nas datas da denúncia, e que nunca estavam nos lugares. No final do caso a acusação mudou a denúncia dizendo que eram outras as datas, e outros os lugares, e.g. trocado um prédio específico para "um prédio no lado par" da rua.

André e Cleci receberam crianças do Apromim na programa "Família Hospedeira" em somente três datas. Cisne foi para Morro da Pedra com o casal num único fim de semana, 26-28/10/2007. Se o que ela alegou não aconteceu naquela data, não aconteceu em qualquer outra. E o principal do relato de Cisne, de que André deu banho à noite nos três pequenos juntos, foi contradito pelas palavras da própria Cisne, do Moleque® e pelos registros do orfanato: os três pequenos nunca estavam juntos na casa de André, especialmente não a noite.

Enquanto nos EUA, seria suficiente examinar cada ponto da denúncia, aqui no Brasil somente na hora dos argumentos finais do Ministério Público, saberemos sob quais acusações os réus realmente serão julgados.

"Comprovar sua inocência ..."

Defender os réus das acusações formais é o papel dos advogados. O jornalismo brasileiro, na prática, toma o lado da polícia e da promotoria, procurando provas das acusações, e qualificando qualquer afirmação da defesa, tão bem fundamenta que seja, com "alegação". Nossa postura neste blog é de seguir os fatos, para onde quer que levam. Neste caso levam à inocência dos réus, e levam aos indícios fortes de crimes, até por parte de quem deve zelar pela lei.

Um comentário bastante comum é que o réu "tem a oportunidade de comprovar sua inocência". Algo que é aceito no direito da tradição ocidental, e estabelecida na Constituição brasileira, e a presunção de inocência, que o peso da prova é da acusação, e não da defesa. A imprensa brasileira, que somente se interesse em acusar e não de informar, presume a culpa do acusado até que ele comprove sua inocência - quando entra a regra "'Fulano é culpado' é notícia; 'Fulano é inocente' não é notícia."

Como vimos acima, a mutabilidade da denúncia significa que somente no final do processo, o réu sabe do que é acusado. Como poderia "comprovar sua inocência" antes?

O peso da complexidade

O caso tem 37 "fatos", 7 reus, e agora quase 5000 páginas. Esta complexidade pesa muito mais na defesa, do que na acusação. Começando como o mais óbvio, a complexidade foi usado como motivo de manter os réus presos, não de soltar-los. Quando o relatório da policia foi apresentada, o tamanho - mais de 500 páginas - foi ressaltado por várias orgãs da imprensa como sinal da seriedade do trabalho, e do quantidade de evidência que pesava contra os indiciados.

Madruguei hoje em procura do origem da acusação das fotos no banho. Se houvesse, numa linha do inquérito, a afirmação de que "tiraram fotos dos meninos no banho", eu teria logo encontrado, colocado no blog, e ido dormir. Para afirmar de que não existe tal afirmação, exigia horas de trabalho. Ainda assim, tendo copia integral somente dos documentos colocados fora do sigilo, posso ter certeza? E se tivesse feito esta afirmação logo na hora que o denúncia foi apresentado, como poderia garantir, que algum testemunha não chegaria a afiram isso?

Para fazer um acusação para a imprensa, basta mostrar poucas folhas, talvez somente uma. Para dizer, "a prova não está la!", é preciso apresentar a coisa toda. E repórter não vai conferir. Até no acidente do Gol 1907, quer era de repercussão enorme, parece que poucos repórteres leram a sentença, e os pontos mais importantes, nenhum relatou. Todos dizerem que o controlador Jomarcelo foi inocentado; poucos disserem que foi porque era incompetente demais para responsabilizar; nenhum que eu li, informou que o juíz pediu uma denúncia contra o oficial da Força Aérea que aprovou Jomarcelo como controlador.

O que sobrou contra Cleci?

Descartamos "fatos" 28, 30 e 32, que não foram baseados em indícios colhidos na fase do inquérito, nem confirmados na fase de instrução, nem sustentados pelas evidências físicas.

Neste três "fatos", constam como denunciados André e Cleci. Olhando a denuncia para ver o que resta, salta aos olhos que Cleci foi denunciada pelos "fatos" 28, 30 e 32; 34 que é "formação de quadrilha"; 22, que diz que "passou mão" no Moleque que Mente®; e 23 e 24 que de novo alegam fotografia.

Clecí responde, então, por sete "fatos" na denuncia. Descartamos três em quais a Justiça não pode de maneira nenhuma condenar, e nem deveria ter aceitado processar.

Quadrilha

A acusação de "formação de quadrilha", fato 34, afirma que Fritz, Barbara, André e Celci "associarem-se em quadrilha ou bando para o fim de cometer os crimes acima descritos". A acusação de "quadrilha" deixa fora os três pais, Sirineu, Marino e Isais, acusados em "fatos" 35, 36, e 37 de "submissão e indução à prostituição".

A acusação de "formação de quadrilha" é redundante ou repetitivo. Ela não se sustenta sem que alguma das acusações anteriores seja comprovada. Não sei se a Cleci poderia ser inocentado de todas as outras acusações contra ela, e ainda ser condenada de "conspiração". Vamos aguardar para examinar a acusação de "quadrilha", então.

Mais fotografias?

Duas das outras acusações às quais responde Cleci, são sobre fotografias. Em "fato" 23, ela e André estão acusados de, na sua residência:

"... produziram e armazenaram fotografias, envolvendo a vítima [O Moleque que Mente®], contando com apenas 13 (treze) anos de idade à época dos fatos, em cena pornográfica.

... Posteriormente, passaram a armazenar tais imagens em CDs, os quais continham fotografias e filmagens de crianças e adolescentes praticando relações sexuais.

"Fato" 24 é quase igual ao 23, a diferença sendo que o lugar é dado como Colina do Sol, Fritz e Barbara estão acusados além de André e Cleci, e as fotos são descritos como "determinando-lhe que abraçasse os acusados, estando todos eles nus."

Com indícios, mas sem provas

Os "fatos" de fotos no banho surgiram de nada. Nenhuma testemunha ou "vítima" afirmou que existiam tais fotos. Em contraste, O Moleque que Mente® afirmou que foi fotografado com André, Cleci, Fritz, e Barbara.

Vamos examinar isso em detalhe, depois. Hoje, estamos vendo somente a situação de Cleci.

Ainda que houve "indício", uma condenação necessita de "prova". Estes fotos não existem, nem nos CDs, nem nos computadores, nem nas máquinas fotográficas, nem em mais nada. "O que está no processo está no mundo", dizem os advogados, e estas fotografias não existem no mundo jurídico, ou no mundo real.

O que existe, ao qual a polícia e a promotora tinham aceso antes da denúncia, é o CD com todos os fotos da máquina de André, que o IGP/IC afirma não tem pornografia infantil, e não tem nada relevante ao caso, quer dizer estas fotos. Não é que na hora da denúncia faltou buscar esta fotos; a busca já tinha sido feito e foi infrutífera.

"Passou mão"

Sobra, então uma acusação contra Cleci, "fato" 22. Esta especifica que:

... durante o período passado junto ao casal, ambos lhe investiram carícias com conotação sexual, por diversas partes do corpo, quais sejam: no seu pênis, nádegas, pernas, braços e tórax.

Uma das palestras que assisti seguindo este caso falou de mudanças no código criminal em 2009, pelo qual o antigo "atentado violento ao pudor" virou "estupro".

O palestrante avisou que, apesar da linguagem igualar estupro violento ao um "beijo roubado", que não levariam a mesma pena. "Vai levar tempo para acerta o dosimetro", se me lembro as palavras dele. O juiz, na prática, daria uma pena menor para um beijo roubado, do que para estupro mesmo, ainda que os dois sejam enquadrados como "estupro".

Estamos falando, em hipótese. Mas é bom notar que, depois de ter saído na televisão nacional e internacional como monstro; passado 13 meses na cadeia em cela comum; ter vendido seu apartamento para pagar o advogado; perdido a adoção dos filhos que sonhava, ter sido interrogada por uma comissão do Senado, Cleci está sendo acusado, de ter passado a mão.

E a acusação resta, unicamente, na palavra de um moleque que mente.

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