terça-feira, 21 de maio de 2013

Sem laudo, sem condenação

Ontem falamos de como o TJ-RJ demoveu de "laudo" ao "opinião pessoal" do psicólogo-policial Emerson Brant. Prometemos revelações chegando sobre o psicólogo-policial Artur. Nem um nem outro compareceu para julgamento. Como podemos saber do perspectivo deste pessoal?

Vamos continuar com mais um policial-psicólogo do DCAV - Delegacia da Criança e Adolescente Vítima do Rio de Janeiro, Gilberto Fernandes da Silva, que no seu blog refletiu em novembro de 2012 sobre sua carreira no DCAV:

Durante, os quase 10 anos, em que atuei no Serviço Voluntário de Psicologia/DPCA e posteriormente DCAV, entrevistei algo em torno de 900 crianças e adolescentes. Neste período centenas de abusadores foram processados e condenados, com o auxilio dos relatórios produzidos pelo Serviço Voluntário de Psicologia/DCAV. Tal tempo de atuação me deu uma boa experiência sobre o tema: Abuso Sexual Infanto-juvenil e relações.

Em meados de 2011, o Serviço Voluntário de Psicologia da DCAV, foi extinto, com isso o Estado do Rio de Janeiro retrocedeu a década de 90, no que se refere a responsabilização criminal dos abusadores sexuais. Hoje no Rio de Janeiro, não existe um órgão oficial que se responsabilize por entrevistar crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, com isso as chances do abusador ser condenado é quase zero, já que nesse tipo de crime, na maioria esmagadora dos casos, não há testemunhas, nem a presença de vestígios que possam ser identificado e estabelecido, pelos peritos legistas, uma relação de causalidade entre os mesmos e o suspeito.

Gilberto afirma que as entrevistas eram essenciais para conseguir condenações; que em muitos casos não existem outras evidências ou testemunhas; e que "centenas de abusadores foram processados e condenados." É que DCAV foi fechada, e isso representa um retrocesso.

Enquando isso, em Brooklyn

Nas últimas semanas, o Ministério Público está revendo todos as condenações por homicídio que foram investigados pelo detetive Louis Scarcella. Os casos do Detetive Scaracella eram curiosos. A mesma prostituta viciada em crack testemunhou vários homicídios diferentes. Muitas condenações foram baseadas numa única testemunha, ou em condenações que o Scaracella jurou que ouviu, e que os supostos autores negaram ter falados. Um homem ficou 23 anos na prisão antes de ser finalmente liberado.

Poderia ser dito que sem as técnicas de Scaracella, a chance da condenações de culpados teria sido bastante menor. Mas a chance da condenação de inocentes teria sido reduzido bastante, também.

A realidade objetiva

Há uma diferença importante entre a condenações de Scaracella no Brooklyn, e da DCAV no Rio de Janeiro: o que a lei chama da "materialidade do crime", a prova de que realmente aconteceu. No caso havia dúvida de que aconteceu um homicídio.

Nos já comparamos estes casos de abuso com o caso dos Irmãos Naves, inocentados quando a vítima de homicídio apareceu vivo. Em vez de repetir, vamos ver uma explicação psicológico.

Dr. Sidney Kiyoshi Shine, psicólogo do Tribunal de Justiça de São Paulo, explica no seu tese Andando no fio da navalha: riscos e armadilhas na confecção de laudos psicológicos para a justiça explica que a "verdade" procurado pela psicologia não é a mesma verdade procurada pela Justiça:

Já me posicionei no trabalho anteriormente mencionado (SHINE, 2003) de que o psicólogo não possui um instrumento fidedigno para dizer sobre a ocorrência de um fato. Repare o leitor que aqui não se trata da representação psíquica de um fato, ou seja, se é ou não uma fantasia, um desejo ou uma mentira. Para a justiça interessa saber se algo aconteceu ou não, uma vez que alguém não pode ser penalizado por algo que não fez. Entrevista, teste e observação que constituem as ferramentas básicas de qualquer psicólogo foram desenvolvidos para dar conta, originalmente, de constructos e de fatos psicológicos, ou seja, que não necessitam de existência real. Portanto, a necessidade da justiça de discriminar e evidenciar a ocorrência de um fato é uma demanda que só pode ser respondida de uma forma aproximativa. Ou seja, podemos colher evidências comportamentais, relatos de terceiros, observar a interação etc. para construirmos um cenário em que haja grande ou pouca probabilidade de que determinado ato tenha ocorrido. A certeza da ocorrência de um fato depreendido pela vivência de outrem é algo indeterminável pela ciência psicológica.

Se alguém acredita que algo aconteceu, a psicologia pode determinar. Que a crença haja base em realidade, é outro departamento.

A peça vital

Gilberto afirma que "na maioria esmagadora dos casos, não há testemunhas, nem a presença de vestígios" e sem o relato da vitima, não haveria condenação. Shine avisa que "certeza da ocorrência de um fato depreendido pela vivência de outrem é algo indeterminável pela ciência psicológica."

Se a condenação não é possível sem o laudo psicológico, e a veracidade do laudo é indeterminável pela ciência psicológica, não corremos o risco de condenar inocentes, por crimes que nem acontecerem?

Mas no caso de uma acusação falsa, também não haveria testemunhas de um fato que não aconteceu, que pelo mesmo motivo, não deixou vestígios.

Como foi em Catanduva

Uma boa ilustração foi a caça às bruxas de Catanduva. Várias meninas, em volta de dez anos de idade, contaram "com riqueza de detalhes" dos estupros que sofrerem. Uma foi cortada nos braços com um faca grande. Crimes sem dúvida horrorizantes, que merecem punição severa.

Mas a legalista não encontrou cicatriz nenhum da facão. E as meninas continuavam todas virgens.

Das duas uma: houve milagre, ou mentira. Ou se prefere, o "fato psicológico" que não necessitava de existência real, não tinha mesmo.

Quando um laudo não é um laudo

O laudo psicológico, desamparado de qualquer prova material ou testemunhal, servir para comprovar que um crime aconteceu, e condenar um homem como seu autor. Uma prova pesada. Mas ontem vimos que o TJ-RS reduziu uma destas provas peso-pesadas, para um simples "opinião pessoal".

Enquanto escrevi este postagem, recebi notícia de mais duas outros documentos trazendo informações importantes sobre estes "laudos": importantes no sentido de que tirarão inocentes da cadeia.

Em breve, neste espaço.

Um comentário:

  1. É muito triste saber que neste século ainda existe Caça às Bruxas. No caso de Catanduva, mães, imprensa, autoridades irresponsáveis conseguiram prender inocentes (somente com as acusações e laudos falsos). Catanduva terá que arcar com as consequências.
    Que seja ainda neste século.

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