quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Uma luz no escuro

Ministro Marco Aurélio Bellizze
Ontem chegaram aqui de Brasília uma notícia de teoria, e outra de fatos. A teoria é o ensaio "Atos secretos tiram a legitimidade do poder público" do juiz federal Vallisney de Souza Oliveira no site Consultor Juridico. Os fatos se encontram no voto-visto do Ministro Marco Aurélio Bellizze, no habeas corpus que procurava liberar Ricardo.

Vamos começar com uns fatos:

  1. Que uma estagiária acompanhava todas as aulas de Ricardo;
  2. Que outros professores tinham livre acesso à sala de ginástica onde Ricardo dava aulas, que nunca estava trancada;
  3. Como parte da rotina da escola os alunos falavam do seu dia a dia, e nunca reclamaram de qualquer fato estranho com Ricardo;
  4. Que "a mãe das menina abusada havia passado dois (2) dias estimulando a filha na região íntima nos horários de banho e tranquilidade";

Há provas de que as crianças sofrerem abuso? Sim - veja a ultima item da lista acima. Mas a culpada não é Ricardo, é uma mãe que não está presa - ainda.

O voto do Ministro Bellizze traz para a luz a íntegra do decreto que privou Ricardo de liberdade. Vamos o examinar posteriormente; numa leitura inicial há muitos adjetivos e poucos substantivos, e creio, pouca substância.

Procurando algo nos autos do processo que dava peso às acusações, o Ministro encontrou o "depoimento sem dano" intermediado pela psicóloga Ana Beatriz Fontes Venturim, "... que não acredita na possibilidade de M. ser sugestionada a falar sobre os fatos." O Conselho Regional de Psicologia de Espirito Santo informou que a psicóloga Ana Beatriz está inscrita deste 2010, que quer dizer, ela tinha algo entre um e no máximo dois anos de experiência quando emitiu esta opinião, que já mantenha Ricardo preso mais de seis meses. A Justiça prenderia um homem seis meses porque um advogado novato tinha certeza sobre um ponto de direito ou sobre a credibilidade de uma testemunha? Porque então daria peso equivalente à uma psicóloga recém-registrada?

Sem acesso aos autos, sem acesso aos fatos, ficamos no mundo das crenças, do "acredito" e "acreditamos", onde as redes sócias são o campo de batalha predileto - pois quando há somente opinião, a opinião de cada um tem peso igual. E sem prova dos fatos reais, como saber se alguém que oferece "fatos" que sustentam sua posição, está pesquisando, ou inventando?

É a hora da teoria. Cito do juiz Vallisney:

Quanto aos atos judiciais, é conhecida a afirmação do revolucionário francês Mirabeau, que dizia não temer ser julgado por um juiz venal e parcial, desde que fosse perante o público. Segundo a nossa Constituição, todos os julgamentos devem ser levados a conhecimento das partes e de terceiros, com exceção daqueles necessários para preservar a intimidade das pessoas ...

O "sigilo de Justiça" que supostamente preserva os inocentes, serve igualmente para manter no escuro os fatos. Quem defende o acusado fica desprovido de fatos; quem o ofende, apela sempre para a ladainha "você não sabe o que está no processo".

Este habeas corpus não liberou Ricardo da cadeia. Mas no seu voto-visto, o Ministro Marco Aurélio Bellizze liberou do sigilo muito da "substância" das acusações contra Ricardo. Foi como virar uma pedra na floresta, e expor à luz as coisas que debaixo dela moravam.

Umas notas sobre o texto do voto. Ainda sem o "sigilo de Justiça" há outras regras que amarram o jornalista: é preciso preservar os nomes das supostas vítimas, da mesma maneira que é vetado expor o nome do Ricardo. Então, inicias. Mas nada na lei nem na ética veta por os nomes das outras testemunhas, que deixei por inteiro.

Noto também que enquanto a digitalização de processos por parte da STJ é uma inciativa louvável, a tecnologia é ainda falha. A mesma professora é "Nespoli" e "Nesfole"; e o ministro refere a psicóloga Ana Beatriz Fontes Venturim como "Ana Beatriz Fontes Amorim"


Afirmou o decreto constritivo "existir provas indiciárias de que o denunciado investiu bestialmente contra as pobres vítimas utilizando-se da condição de professor. As declarações colhidas na esfera policial, comprovam de forma segura a existência de crimes perpetrados pelo réu."

Em referência a essas "provas indiciárias", consta dos autos as declarações de 2 (duas) das supostas vítimas, ouvidas no sistema de "depoimento sem dano", feitas por intermédio da psicóloga, cujo depoimento foi assim reproduzido nos autos (fls. 356⁄358):

a) Ana Beatriz Fontes Amorim, psicóloga:

[...] que está atendendo as crianças M. e I. atualmente, que a declarante foi contratada pelo Colégio São José, que chegou a atender a criança L. (...) que nos atendimentos a declarante percebeu que L. era uma criança calada, mas arredia e que a conversa com dela gira em torno de aconselhar a ela da necessidade de ir para a escol, a mesma dizia que não gostava, sem revelar porque (...) que L. já estava em processo de alta no início de setembro, pois estava respondendo bem ao processo terapêutico (...) que no final de outubro a declarante recebeu uma ligação da mãe de L. em que a mesma estava chorando e queria uma sessão urgente (...) a mãe de L. conversou com ela e L. chegou a falar para ela acerca de algumas brincadeiras, de cosquinhas, beijos na boca, mostrar cueca e calcinha, que foi relatado pela mãe de L. a declarante, que no mesmo dia, em que a genitora de L. esteve no consultório da declarante, na parte da tarde levou L. ao consultório e que em atendimento à L. a declarante disse a ela que já sabia acerca do segredo do tio Ricard, então L. respondeu : 'a brincadeira da cosquinha ?, que a partir daí L. foi mostrando as partes do corpo onde as cosquinhas eram realizadas (...) que nesse mesmo dia chegou a conversar com o pai , que o genitor de L. chegou a comentar que um determinado dia à noite, quando o mesmo acariciava a cabeça dela, ela chegou a dizer para ele que era mais gostoso que fosse feito carinho na perereca, que disse também que L. estava com a sexualidade aflorada, já que queria beija-lo na boca e querendo vê-lo pelado, que L. falou com a declarante acerca de beijos na boca do professor e não de colegas, que L. disse que a classe toda brincava de mostrar calcinha e cueca e que o professor também mostrava a dele (...) que a declarante acredita que L. não estava sugestionada, pois L. declarou os fatos de uma forma muito natura, que não há nem indícios de isso ser uma fantasia (...) que com relação a M. passou a atendê-la em 18⁄11⁄2011(...) que começou a conversar com M. dizendo que teria descoberto o segredo, que M. então começou a lhe contar a cerca das cosquinhas, do beijo na boca, de mostrar o pênis e a vagina, que M. chegou a dizer e mostrar para a declarante, fazendo um gesto com a mão de que o mesmo introduzia o dedo no ânus e que esta brincadeira ela não gostava porque doía (...) M. chegou a dizer que o pênis do tio Ricardo era diferente do pai dela (...) que M. falava das brincadeiras do tapete mágico e da cosquinha, que M. não chegou a dizer da brincadeira do dragão, que perguntado onde ocorriam as brincadeiras M. dizia que era na sala do tapete mágico (...) que não acredita na possibilidade de M. ser sugestionada a falar sobre os fatos

A par dessas provas, há também declarações com forte carga positiva a afastar a autoria delitiva, valendo recolher, a propósito, os seguintes depoimentos extraídos dos memorais apresentados, algumas ouvidas em sede policial e outras perante o Ministério Público:

a) Juliana Nespoli Barra Afonso, Professora da Turma Maternal II C:

[...] que a declarante quando deixava a sala dos professores e ia receber as crianças elas voltavam da aula do tio Ricardo sempre com muita alegria, que ora recebia elas na própria sala ou mesmo no caminho, que todas as vezes no término da aulas as crianças são levadas pela estagiária até o banheiro (...) que qualquer fato de anormalidade que ocorresse a estagiária tinha que passar para a declarante para que então a mesma passasse para os pais; que durante a aula de educação física a estagiária ficava com Ricardo [...]

b) Sônia Aparecida de Oliveira, Estagiária da Turma Maternal II C , que acompanhava todas as aulas, inclusive a de educação física :

[...] que a declarante trabalhou com a professora Juliana Nesfole e também com outros professores, como o professor Ricardo e o professor de música (...) que as aulas do professor Ricardo eram ministradas as terças-feiras da 14:00 as 15:30 horas (...) que o tempo de aula a ser ministrada pelo professor Ricardo era muito pouco; que era em torno de 15 a 20 min em média, que auxiliavam o professor Ricardo a levar as crianças da sala de aula até o local onde seria ministrada a aula de educação física, a declarante, a estagiária Iasmin e a Irmã Helena (...) que sabe qual é a brincadeira do dragão, que chegou a participar da brincadeira que a brincadeira do dragão era feita da seguinte forma: que o professor Ricardo ficava se passando pelo dragão, dormindo e que todas as crianças tinham que acordar o dragão, que a partir daí passavam elas a correr na lateralidade, em direções, para a esquerda e para a direita, que a declarante as vezes até acordava o dragão, que depois que acordava o dragão o dragão dava a direção a ser tomada pelas crianças, que o dragão também ia de encontro para pegar as crianças, como se fosse um pique e pega, que a declarante também participava dessa brincadeira, que as criança adoravam essa brincadeira, que no auge da aula a brincadeira tinha que acabar porque a aula se encerrava, que a declarante trabalhou com as crianças até o mês de novembro (...) que na aula da professora Juliana, os alunos revelavam o seu dia a dia, ou seja, como foi o final de semana, como foi o dia anterior, que nesse momento, em que as crianças revelavam seu dia a dia, nenhuma criança chegou a fazer reclamações nessas rodas, do professor Ricardo.; que em nenhum momento as crianças reclamavam do professor Ricardo, que as crianças não reclamavam, mas sim amavam o professor Ricardo (...) que pode assegurar que esteve em 100% das aulas ministradas por Ricardo, nas salas e na quadra, que também pode assegurar que permanecia 100% do tempo das aulas nas salas onde eram ministradas as aulas de Ricardo[...]

c) Iasmine Guimarães Braga, estagiária de pátio coordenador de educação física :

[...] Que afirma que a estagiária Sônia estava presente em todas as aulas, e que a declarante, assim como outros profissionais, tinham livre acesso e que o acompanhavam frequentemente, e que a sala nunca estava trancada (...) que a declarante nunca presenciou nenhuma situação de desapreço ao professor Ricardo por parte de seus alunos, mas, pelo contrário sempre se mostravam alegres e entusiasmadas com a presença do mesmo [...]

d) Sonia Cristina Costa dos Santos, professora de educação física:

[...] Que a declarante por vezes, adentrava a sala onde o Professor Ricardo estava com seus alunos, no intuito de resgatar objetos que seriam usados em sua sala, que neste período a Escola estava em período de visitação de pais e estes acompanhados por uma pessoa da escola, tinham acesso as salas de ginástica e de dança, sem qualquer restrição ou prévio aviso de visita (...) que nenhuma das crianças da turma em que o Professor Ricardo era responsável, relatou à declarante ou qualquer outro agente da escola, principalmente a Regente de Turma, fato estranho ou ligado à pedofilia por parte do referido professor [...]

e) L. x. x., mãe de aluno:

[...] que a declarante é genitora de um menino com idade atual de 5 cinco anos, que tal criança nos idos do ano passado próximo foi aluno do Professor Ricardo quando cursava a turma infantil (...) que recebeu uma ligação da amiga P., noticiando a demissão do professor Ricardo por parte da instituição de ensino sob suspeita de pedofilia (...) que a declarante em conversava com as outras mães e havia uma delas transtornada dizendo que sua filha havia sido abusada sexualmente pelo Professor Ricardo, Que a senhora P., amiga da declarante perguntou àquela mãe como poderia ter acontecido tal situação, recebendo a resposta de que a mãe das menina abusada havia passado dois (2) dias estimulando a filha na região íntima nos horários de banho e tranquilidade, que a mãe da menina supostamente abusada havia usado este artifício tentando alguma situação parecida que poderia ter ocorrido nas dependências da escola, que a declarante e sua amiga P., ficaram chocadas com a forma pela qual a mãe da menina supostamente abusada narrou o fato, inclusive com os gestos utilizados pela própria mãe para estimular a filha, chamando a menor para que fosse apresentada a outras mães (...) que as denúncias relacionadas ao nome do Professor Ricardo sempre estiveram cercadas de incertezas e fundamentações controvertidas por parte dos pais que queriam incrimina-lo

Em verdade, contrapõem-se indícios negativos e positivos a colocar em "xeque" a uniformidade dos indícios de que o paciente tenha supostamente praticados os referidos atos delituosos, do que resulta certo afirmar que, ao menos em um primeiro momento, que a fumaça do bom direito cautelar não se mostra evidente na espécie.

Nenhum comentário:

Postar um comentário