quinta-feira, 7 de junho de 2012

Os filhos do Céu

Dr. Johnson entenderia as notícias de Vila Velha

"Palavras são as filhas da Terra, e coisas são os filhos do Céu", escreveu Dr. Samuel Johnson, autor do primeiro dicionário de inglês, que entendeu muito bem o valor das palavras - e o achava inferior ao valor das coisas, da realidade que as palavras tentam captar.

Nos casos de crime inexistentes, como da Colina do Sol, do caso do professor Ricardo da Vila Velha, da caça às bruxas de Catanduva, vimos muito bem o perigo, o fascínio, o comodidade das palavras. Bordões substituem relatos específicos; teorias tecidos para cobrir qualquer circunstância, dispensam os fatos do caso em pauta; frases de efeito enaltecem a acusação e denigram a defesa.

Vamos examinar hoje umas destas frases - não todas, pois não dá espaço. Sendo que nosso assunto hoje é exatamente o uso de palavras para entortar ou disfarçar a coisa, a realidade, não vou usar meias-palavras. As palavras às quais a acusação recorre nestes casos são bullshit, "estruma de vaca", ou em bom português, merda.

"Só queremos defender as crianças"

A imprensa adora uma acusação de pedofilia, e a ecoa no volume máximo. No caso Colina do Sol, a prisão de Barbara Anner foi visto pela filha dela pela televisão em outro continente. No caso Catanduva, a suposta "rede de pedofilia" tomou conta da imprensa estadual, com mais de mil reportagens televisivos. O professor Ricardo foi preso em Vila Velha na televisão, com os acusadores no outro lado da rua, pedindo à polícia que usasse algemas.

Pedofilia, ouvimos, acontece em segredo, escondido.

Agora me responde: depois de tanta publicidade, como que é que qualquer dos acusados, poderia ser um perigo para crianças? Como poderia voltar a cometer crimes? O pelourinho colonial foi substituído pela programa sensacionalista da TV, os chicotes pelas comentaristas repetindo acusações não comprovadas, a letra escarlatina pela foto estampada no jornal. Antigamente o vilarejo sabia da acusação, hoje é o estado, a nação, ou o globo inteiro.

A acusação pública já condena o inocente, sem processo ou defesa. Mas no caso do culpado (e em acusação de "rede de pedofilia" ou abuso em escolinha, ainda não encontrei um caso que convence) a publicidade dado à acusação, já "protege as crianças".

Depois de tanta publicidade, nada devolverá a condição de inocente ao acusado. Mas igualmente, a publicidade tira qualquer possibilidade de futuros crimes escondidos. A prisão do acusado não é preciso para "proteger as crianças", a publicidade dado à acusação já fez isso.

"Se for inocente, porque está preso?"

Aqui chegamos a "coisa", a realidade atrás da bordão "queremos defender as crianças". A imprensa brasileira, e o publico que ela informa ou desinforma (conforme qual modalidade venderia mais publicidade), acredita e prega que preso é culpado, e solto é inocente. Um processo na Justiça é medido em centenas de folhas, e o tempo de noticiário é calibrado em segundos. A TV reduze tudo ao mais simples. Consegue comunicar algemas e xadrez, mas o direito de ser considerado inocente e de responder em liberdade, já foge da sua capacidade.

Vamos ver palavras típicas. No grupo de acusadores no Facebook hoje, leia-se, assinado por "Daniele Silva", que não tem cara, nem amigos, nem coragem de acusar sob seu nome verdadeiro, "Como uma pessoa que se diz inocente fica preso por 3 meses tendo um bom advogado?" Para Daniele, ou melhor dizer para a pessoa que se esconde atrás deste fake, preso é culpado.

Quando Ricardo for solto, "Daniele" vai dizer que Ricardo então deve ser inocente? Não, vai aposentar o fake, ou dizer "vamos aguardar a Justiça".

"Vamos aguardar a Justiça"

A Justiça brasileira é rápido para acusar, e lerda para julgar. Especialmente quando gente da próprio aparato de segurança e Justiça pisam no tomate, querem que seja esquecido, que o tempo enterrasse o erro.

Na caça às bruxas de Catanduva, para apreender computadores foram mobilizados 40 policiais e 20 promotores. Para examinar tais computadores, foi destaco 01 (hum) perito, que estava doente e morreu sem ter completado laudo nenhum, e nestes três anos, não foi substituído. É óbvio que nada encontraram, então pressa não tem.

No caso Colina do Sol, apareceu em abril de 2012, durante os argumentos finais do caso, um laudo sobre coisas supostamente apreendidos em 2007. Ontem conversei com alguém que falou com um perito do Instituto Criminalística gaúcho, que explicou que o IC tem trabalho muito além do que pode fazer, e algo é feito somente quando polícia ou promotoria volta a insistir. Este laudo, sem constar evidência de crime, atrasaria em no mínimo dois meses um processo que já durou mais de quatro anos, durante qual dois dos acusados morreram.

Notamos também no caso Colina, que laudos positivos apareciam no inquérito ou processo no mesmo dia, enquanto negativos feitos no mesmo dia atrasaram até 8 meses para chegar ao conhecimento da Justiça.

Claro que a defesa pode atrasar o julgamento quando o acusado é culpado, mas isso é feito através de petições. A acusação consegue o atraso pelo simples ingerência, que não aparece nos autos. E é difícil combater. A acusação pode se opor aos pedidos da defesa que atrasam; a defesa não tem como reagir quando a acusação simplesmente nada faz.

"Vamos aguardar a Justiça", é ouvido quando a acusação desmorona. O pessoal que ficou em frente do apartamento de Ricardo, aguardando que fosse preso, pedindo algemas, não estavam "aguardando a Justiça". Não, queriam que Ricardo fosse punido, e já, para algo que não passava de uma acusação, e uma acusação que não persuadia o delegado nem o promotor natural.

Porque naquela hora não dava para "aguardar a Justiça"? Afastar o professor Ricardo da escola ou das aulas talvez, colocando ele em função administrativo, mas aguardar uma sentença até puni-lo? Porque naquela hora tinha pressa para destruir a vida de Ricardo, mas agora que as fraquezas e absurdas da acusação vierem ao público, devemos "aguardar a Justiça"?

É que as palavras "vamos aguardar a Justiça", querem dizer, "vamos deixar isso para o dia de São Nunca, ou para uma hora que não é mais notícia, ou para quando prescreverem os crimes de calunia e falsa denúncia dos quais Ricardo foi vítima."

"Vamos aguardar a Justiça" não é uma expressão de respeito para a Justiça. É um pedido de impunidade para os verdadeiros criminosos.

No caso de Catanduva, o jovem William "aguardou a Justiça" quase três anos, para ser solto pelo TJ-SP sem nada da publicidade que acompanhou sua prisão e  condenação na primeira instância. As palavras do desembargador relator - estes, sim, com o brilho dos filhos do Céu - merecem ser repetidos:

"A repercussão provocada pela grande exposição dos fatos - repercussão orientada no sentido único da condenação - não pode servir como elemento de prova para base da acusação posta na denúncia e a condenação não pode ser decretada apenas em razão da gravidade das infrações imputadas, sendo indispensável que a prova da autoria venha apoiada em prova cabal e estreme de dúvidas (o clamor público não serve como prova dessa qualidade que se exige para fundamento da condenação, como é evidente)."
- Des. Antônio Luiz Pires Neto, no voto 21.173 do TJ-SP, Apelação Nº 0002341-79.2009.8.26.0132

"Acreditamos nas crianças"

Isso é a bordão principal, a invocação da inocência dos pequenos, a bandeira e o escudo da pelotão de linchamento moral. Voltaremos ao este frase, e ver atrás destas palavras lindas, a coisa real. E veremos que os palavras não são, na formulação de Dr. Johnson, da terra. São da lama, da imundice em que porcos se banham.

2 comentários:

  1. Uma frase que também esqueceu de mencionar, que pra mim é a mais patética de todas, e mais patético ainda é quem fala! me da nojo de ovir. '' crianças não mentem'' Ahhh por favor né, uma psiquiatra forense acabou de postar no grupo do tIo ricardo dizendo que crianças mentem sim. Não estou dizendo que neste caso mentiram, os pais usaram da fantasia das crianças para fazerem uma armação pra conseguir dinheiro. Por que testemunha é que não falta de que eles falavam que ia conseguir 300 mil de indenização por cRiança. NOJOOO! E nops tbm acreditamos nas crianças, nao acreditamos nos pais, pq esses sim sao perversos!

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  2. Caro Richard, suas palavras nos faz enxergar tudo que está acontencedo com o professor. Também acredito nas crianças, mas também acredito que abordar uma criança de forma indutiva, leva a criança a ser induzida a repetir o que ouviu.... Lamentavelmente as crianças foram bombardeadas com abordagens indevidas e o mais triste disso tudo é que UNANIMAMENTE TODAS adoravam o professor e de repente foram inseridas em uma falsa acusação de abuso e se permanecerem neste contexto falso passarão a acreditar em algo que NUNCA ocorreu. Que Deus continue iluminando o senhor com suas palavras, pois de fato só queriam a prisão do professor para sustentar fragilidade dos fatos. SDS

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