Há 37 "fatos" no caso Colina do Sol. Quatro deles (4, 6, 12, e 16) são de que os acusados "... ao oferecer festas dentro do Clube Naturista Colina do Sol, forneciam bebidas alcoólicas à vítima, passando esta a ingeri-las".
Há vários defeitos nesta acusação. Primeiro, foi redondamente negado pelos testemunhas ouvidas em juízo, inclusive os acusadores. Segundo, as festas acontecerem no restaurante da Colina do Sol, com uma pessoa encarregada de refrigerante, e outra de cerveja. Se os menores tivessem sido servidos álcool, seria da responsabilidade dos gerentes do restaurante. Terceiro, enquanto a promotora Dra. Natália Cagliari fala na acusação de "bebida alcoólica, produto cujos componentes podem causar dependência física ou psíquica" numa tentativa de encaixar-lá no Artigo 243 da ECA, há ampla jurisprudência do TJ-RS e da STJ, de que bebida alcoólica não se enquadra neste artigo, mais na lei da contravenção penal, Art. 63, com conseqüências bastante mais brandas, semelhantes às multas de trânsito.
Aplicação equilibrada da léi
Digo ainda que eu estava em Taquara durante Carnaval neste ano de 2011, e presenciei vários adolescentes, ou talvez até crianças, não somente bebendo mais visivelmente bêbados, na rua principal da cidade, durante um desfile patrocinado pelo poder público. Que uma violação ostensiva não foi repreendida, enquanto um boato não-confirmado resultou em denúncia, mostra a aplicação seletiva da lei.
Acusadores não confiáveis, evidências não conclusivas
O processo traz, antes da denúncia, a palavra de três acusadores, de que Fritz Louderback dava cerveja a menores. João Ubiratan dos Santos, vulgo "Tuca", nas fls 94-97, "Disse que nas festas ele paga comida e bebida a vontade para os meninos, inclusive bebidas alcoólicas." É notório que Tuca já foi condenado por seqüestro, e já aqui publicamos sua ficha criminal.
A segunda testemunha na polícia (fls. 447-449) de fornecimento de bebida alcoólica era funcionário de Etacir Maske, devedor de Fritz, que permaneceu na sala durante seu depoimento (entre fls 2280-89). (Ainda preciso escrever desta mulher que fala com os mortos - falou o que "ouviu dizer" de não uma mais duas pessoas finados, que assistiram o que nenhuma testemunha viva viu). Ela também afirmou que houve "festas de drogas e bebidas na Barracão" da Comunidade Católica, ao lado da Igreja de Morro da Pedra. Visitei o Barracão três meses depois das prisões, e freqüentei festas lá, também. É um ambiente saudável.
A terceira testemunha é Anerose Braga, aquela que sente "o prazer de mentir".
Apuração insuficiente
Os quatro "fatos" começam todas da mesma maneira:
As festas aconteciam no restaurante, que teria alguma contabilidade. Aconteciam por exemplo no aniversário de Douglas, que acontece uma vez por ano. A promotora acertou em falar de "datas não suficientemente apuradas nos autos". Errou em não ter apurada a data de uma única festa, durante quatro anos de processo, com mais de 70 testemunhas, e quase 5.000 folhas.
Fotos com latas
Houve fotos com latas. Que não provam quem bebeu. |
As fotos de lata vazias servem de prova de que foram esvaziadas pelos menores? Parece que nem a promotora acredito nisso, pois Roberto não está arrolado entre as "vítimas". E o lugar é o Mirante do Paraíso em São Paulo, portanto bem fora da Comarca de Taquara.
Os gerentes do restaurante
Houve nestes dias em São Paulo blitz em restaurantes que serviam bebida para menores. "A maioria das autuações foi por venda de álcool ou presença de menores de 18 anos consumindo bebidas alcoólicas nos estabelecimentos. A proibição vale mesmo se o jovem estiver acompanhado dos responsáveis," informa G1.
As festas na Colina do Sol, celebrando eventos como campeonato de futebol, ou o aniversário de Douglas, aconteceram no restaurante.
Colina do Sol é um lugar pequeno, onde a fofoca corre solta. Surpreende, então, que a então dona do armazém, Elisabete Borges de Oliveira, diz no seu depoimento no Fórum de Taquara em 07/04/2008 de que os donos da restaurante forneciam bebida alcoólica, mas que ela não sabia dizer quem eles são (fls 1884).
Até eu sei disso, e nunca vi o restaurante. Celso Rossi afirmava que o restaurante ficava no terreno do Hotel Ocara. Mentira dele, o terreno do hotel é outro, onde não há nada construída. Ainda que não era dono do restaurante, o arrendava, por mil reais por mês, se me lembro.
O restaurante era gerenciado na época pela então Sra. Zumbi, e Zumbi ajudava. Pela regra do blitz paulistano, se menores bebiam no restaurante, seriam eles os responsáveis.
Zumbi fez seu depoimento em frente de outro juiz, no Foro Regional de Partenon, em Porto Alegre. Eu aguardei fora durante a audiência, enquanto as advogadas da Colina do Sol entraram sem ser convidadas, que foi constatado e "consignado" (papo de advogado para reclamação registrado para possível apelação).
Conversei depois com os advogados da defesa, e um comentou e todos concordaram, que Zumbi "liquidou" as acusações de bebida. Trabalhando no restaurante, ele estaria presente nas festas. Afirmou que Fritz liberava bebida alcoólico somente para adultos, e nunca foi servido bebida alcoólica para crianças, nem autorizada foi. (fls 3179).
Artigo 243 da ECA não inclua bebida alcoólica
Já explicamos a "tipicidade": o suposto ato seria crime? Na doutrina do Ministério Publico do Rio Grande do Sul, não é, citando um precedente de exatas 10 anos antes das prisões no caso Colina do Sol:
Servir bebida alcoólica a menor não configura o delito previsto no art. 243, do ECA, que prevê o fornecimento de substância que causa dependência física e psíquica diversa do álcool. [...] Apelação Crime nº 697148344, 2ª Câmara Criminal do TJRS, Tapejara, Rel. Des. Delmar Hochheim. j. 11.12.1997
Outra decisão do TJ-RS de novembro de 2007, semanas antes das prisões, mostra que o entendimento não mudou:
Segundo o artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, pune-se a venda de substâncias que causam dependência física ou psíquica. Nesse rol, o artigo 81 do Estatuto da Criança e do Adolescente não inclui a bebida alcoólica, circunstância que afasta a aplicação desta norma penal, em face do princípio da legalidade, enunciar a interpretação típica restrita.
Esta decisão cita precedentes do Tribunal de Justiça.
Teor 10,8%
Vimos, então, que as acusações de fornecimento de bebidas alcoólicas, são como todas as outras acusações que examinamos: mais ou menos como algodão doce, que parece uma coisa grande, mas que derreta assim que colocado à prova.Mas foi freqüentemente citado em habeas corpus (por exemplo, aqui) que o tempo que os réus estavam presos não era excessivo pois houve "37 (trinta e sete) fatos a serem apurados."
Apuramos agora quatro destes trinta e sete "fatos", 10,8% da acusação total. Não há motivo aqui de manter alguém preso 13 minutos, muito menos 13 meses. Comprovada em flagrante, o delito resultaria em multa. Como que pode, somente alegada sem detalhes, ser considerado motivo de manter quatro pessoas presos?
Cleci e Barbara nem foram denunciados por fornecer bebida alcoólica - somente pesou contra Fritz Louderback e Dr. André Herdy. Enquanto Fritz patrocinou festas no restaurante - ouvi que era responsável sozinho por até metade do movimento do estabelecimento - não há nada no inquérito ou no processo, que diz que André patrocinou festas. Mas ainda que não foram acusados por estes "fatos", ficaram meses presos por causa deles.
A promotora deveria ter sabido que a alegada fornecimento de bebida não se enquadrava no Artigo 243 da ECA, mas como contravenção penal. Ela sabia que as acusações eram "não suficientemente apuradas" para sustentar uma condenação, mas não as apurou.
A acusação de dar cerveja para adolescentes não poderia servir para condenar culpados, nem se culpados foram.
Mas se o objetivo for manter inocentes presos, serviu.
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