sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Uma conversa com a promotora

Semana retrasada, conversei com a promotora cuidado da apelação do caso Colina do Sol pelo Ministério Público, Dra. Lisiane Messerschmidt Rubin. Quando passei no MP como os jovens, depois que "tomaram reconhecimento" da sentença no Fórum, a Dra. Lisiane não os atendeu porque estava com uma audiência no Fórum. Não choveu, então somente uma das vitimas do caso me acompanhou.

Vítimas, é bom esclarecer, não de Fritz Louderback, como a Justiça já reconheceu, mas vítimas da perseguição de um crime que nunca aconteceu.

Dra. Lisiane tinha lido a manifestação assinado pelos jovens (escrito por mim, mas refletindo seus sentimentos) e disse que o documento tinha como destino certo a defesa, e não a Promotoria. Perguntei se o Ministério Pública não representava os interesses das vitimas? e a doutora respondeu que não, representava "o interesse da sociedade". Ela adiantou ainda de que na sua apelação rogaria pela condenação dos que foram inocentados, e a manutenção das condenações de Dr. André e de Cleci. Disse que não tinha ainda lido o caso (normal, porque 26 volumes não é algo para ler de noite para dia). Eu pedi e ela prometeu de gastar um pouco tempo pelo menos considerando que o caso inteiro é o que sempre mantivemos aqui: uma farsa.

Sobre o Dr. André e Cleci, eu notei que O Moleque que Mente® mentiu quando disse que teria me visto antes das prisões em Taquara. Ela repetiu a mantra de que "crianças nunca mentem sobre abuso sexual".

Repassei também uma cópia, impresso do blog, da relatório da Corregedoria sobre a tortura das crianças na delegacia de Taquara pelo equipe do delegado Juliano Ferreira. Aquele relatório que terminou:

 
"Ora, presente uma gama de tal elementos probatórios, não há como crer que a Polícia Judiciária, representado especialmente, nas figuras dos policias denunciadas e ainda na figura do Delegado de Polícia JULIANO BRASIL FERREIRA, que confirmou estar presente no momento em que foram colhidos os declarações dos filhos de ISAÍAS, poria em risco toda uma investigação exitosa e de tamanho repercussão ameaçando, coagindo, e agredindo vítimas de crime tão brutal."
 

Conforme os relatos das crianças, a polícia queria que incriminassem Fritz Louderback. Fritz e Barbara foram inocentados: tal "gama de tal elementos probatórios" foi extremamente frágil. A investigação não foi em não exitoso. Muitas das "provas" ou "indícios" foram fajutas: a psiquiatra não era psiquiatra; os laudos finais que teriam valor legal nunca foram juntadas; a farta quantidade de filmes eram inocentes. O policial Sylvio Edmundo, identificado na tortura, estava presente num série de irregularidades, etc.

Com a sentença de inocente, há sim como crer que a Polícia Judiciaria não somente faria isso, mas fez, e que fez muito coisa mais que não deveria ter feito. Pedi para a Dra. Lisiane der uma olhada nisso, "se ela se importasse com a tortura de crianças".

Dra. Lisiane se ofendeu com a sugestão de que ela não se importasse com isso. Pensando bem, ela tinha razão: enquanto Dra. Natália se recusou de receber as crianças torturadas, Dra. Lisiane nos recebeu.

Do que consigo ver do site da TJ-RS, ela ainda não entregou sua apelação. É possível até que ela leu o caso, e viu o que era clara para mim desde o começou, e o que foi claro para o promotor que participou da interrogação do delegado Bolivar Reis Llantado: trata-se de uma farsa.

Visões da busca de verdade

Existem crenças diferentes e divergentes não somente sobre a verdade, mas sobre a busca de verdade. São questões próprios não de juristas, mas de filósofos. Felizmente, sou formado em filosofia.

Vamos, então, filosofar um pouco.

Porque o caso demorou tanta a ser esclarecido? Porque, apesar do desmoronamento de mais de 97% das acusações, Dr. André e Cleci ainda foram condenados baseado somente na palavra inconsistente e desapoiada de um mentiroso contumaz? Porque nada ainda aconteceu com os verdadeiras culpados, os autores das falsas acusações, e a polícia que diz uma coisa para a imprensa, e entregou outra para a Justiça?

Não dá para responder tudo num único postagem. Vejo porém uma divergência sobre não somente a verdade, mas sobre a maneira da busca da verdade: a ciência e a Justiça funcionam de maneiras diferentes. Ainda (que não veremos hoje) a sistema da Justiça não funcionou como deveria funcionar neste caso.

A ideologia do contraditório

A mundo não carece de metodologias ou ideologias que confirmam que uma conclusão esteja certa: "Segue a palavra do rei ou da igreja"; a "lógica escolástica" da idade média que comprova o resultado desejado, qualquer que seria; o "dialéctico" ou a "sabedoria perfeita dos mercados". Cada um serve ou servia para sustentar a crença de quem o promove.

No mundo jurídico, há enorme crença no poder do "contraditório". Há dois lados, cada um puxe para seu lado, e a sentença resulta da encontra das forças.

Não sou advogado, não compartilha este fé no contraditório. Antes de mergulhar no caso Gol 1907, eu estava lendo os Autos da Devassa da Inconfidência Mineira. Comparando os dois casos, é incrível quando pouco mudou no ramo de direito de 1789 para cá. Ou os cortes coloniais foram muito modernos, ou o direto está atrasado.

Você confiaria numa dentista que usou o metodologia de Tiradentes? Então porque num sistema de Justiça que usa os instrumentos do advogado que o defendeu, ou do juiz que o condenou?

Além do mais, enquanto o método científico busca a verdade, ou a teoria que melhor explicar os fatos, a sistema da Justiça não busca a verdade. Busca uma luta equilibrada entre os dois lados. Isso pode parecer estranho para quem não é do ramo, mas tem suas conveniências. Ajuda justificar um advogado que defende um culpado. Nos EUA, até justifica um promotor que luta para condenar um inocente, algo que felizmente não faz parte do ideologia brasileiro.

Em vários casos destes crimes de imprensa no Brasil, estes em que a polícia segura enquanto a imprensa bate, um Promotor de Justiça tem dado uma basta. No caso do Bar Bodega foi assim, no caso Escola Base a promotoria não denunciou, negando que houve evidência de crime. Na caça de bruxas de Catanduva, e no caso de Tio Ricardo em Vila Velha, o "promotor natural" do caso estava contra, ainda que os casos foram surrupiados por colegas.

Valeu a pena ir conversar com Dra. Lisiane. Promotores tem "independência funcional", não são obrigados a aderir aos posições dos colegas. O caso Colina do Sol, visto com um pouco de descrença - tão pouco que um semente de mostarda, talvez - já não convence.

Reconhecendo o próprio erro

O mundo ficou moderno com o método científico. Não porque ele fornece uma maneira de saber quando estamos certos, mas porque ele fornece uma maneira de reconhecer quando estamos errados. Comparamos a teoria com os dados; quando não combinam, é a teoria que mude.

Sou filósofo por formação, programador de computadores pro profissão. Meu professor de filosofia, Scott Soames, nos falou que "Deveriam escrever filosofia de tal maneira que, se estiver errado, é óbvio." Programar computadores consiste em grande parte de olhar para a tela (ou quando eu comecei, o papel), procurando responder à pergunta, "Onde foi que errei ontem?"

Na faculdade e no trabalho, a procura do próprio erro sempre fazia parte. Porém, no sistema jurídica, a ideia é comprovar o erro do outro.

Sempre presumo que há espaço para a razão, de que pessoas podem ser convencidas com evidências e lógica, e que sejam capazes de perceber e reconhecer seus erros, da mesma maneira que sou capaz de reconhecer meus.