terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A tortura de crianças, impune

Dermi, Carlos Alexandre, Darcyr:
tortura de filho no DOPS nunca punida

Recebi ontem a noite com grande tristeza a notícia do morte de Carlos Alexandre Azevedo, filho de Dermi de Azevedo, uma vítima ainda criança de tortura pela polícia brasileira. Tortura que deixou sequelas que nunca passaram, relata Dermi.

Não conheci Carlos Alexandre, mas ouvi várias histórias dele de Dermi, que conheci quando ele era secretário executivo da Condepe - Conselho da Defesa da Pessoa Humana de São Paulo. Dermi me apresentou a vários dos seus companheiros nas lutas do passado, e nas lutas atuais, notavelmente o finado Frei Giorgio Callegari, cujo projeto CEPE na Colônia Veneza em Peruíbe cheguei a conhecer e como a Condepe, ajudar, fazendo para ambos suas primeiras páginas de Internet.

Ambos Frei Giorgio e Dermi foram perseguidos pela ditadura, e o "Centro de Estudos" do Frei carrega o nome de Frei Tito de Alencar Lima, outro perseguido até a morte pelas sequelas da tortura.

Famosamente, Frei Giorgio foi preso por dois soldados fortemente armados que encontraram sua prensa perigosíssimo de joelhos, rezando. Dermi fugiu pelo cordilheiro dos Andes. Assim me foi dito, mas somente consigo imaginar-lo fazendo isso da maneira que sempre o vi, baixo, redondo, de gravata meio solto e terno amassado e paletó aberto, carregando uma maleta estufada de papeis.

Chega também também ontem notícias de que o cônsul americano Claris Rowley Halliwell apareceu com certa frequência no DOPS, centro de tortura.

Digo que ajudei o CEPE. E ajudei. Mas também fui ajudado. Numa época conturbada da minha vida, durante uma longa sucessão de vacas magras, na primeira infância da minha filha, umas passagens nossos pela Colônia Veneza foram momentos de paz. Momentos cujo importância cresce com tempo, momentos verdes na memória, da minha filha correndo solta na praia, procurando a lua, de um menino de nariz arrebitado soltando pipas no morro, ele agora faz poucos meses também pai. Momentos que devo à sensibilidade de Dermi Azevedo, que entendeu o que minha família precisava, talvez pelo que a família dele passou.

Lições não aprendidas

A tortura do filho de Dermi Azevedo, com menos de dois anos, comove pela inumanidade. Quem tortura crianças? Quem tolera a tortura de crianças? Quem tem a obrigação de investigar e punir quem comete estes crimes que quebram os princípios mais básicas da civilização?

No caso do filho de Dermi Azevedo, que talvez finalmente encontrou paz, há a anistia, há o passagem de anos e a perda de memória humano e da memória institucional de aquivos, perdidos ou "perdidos". Houve para Carlos Alexandre uma indenização. Mas não houve Justiça, e não haverá.

Mas algo foi aprendido?

Na minha primeira viagem à Taquara, ouvi que os filhos de Isaías Moreira foram torturados na delegacia de Taquara, pelo equipe do delegado Juliano Brasil Ferreira. Os relatos que ouvi foram detalhados e consistentes. O crime foi denunciada a Corregedoria da Polícia, depois que o Ministério Publico, na pessoa da promotora Natália Cagliari, se recusou a receber vítimas querendo denunciar o crime. Depois que procuraram a gabinete da juíza Mma Ângela Martini, e foram informados de que o relato de vítimas não seria ouvido.

Quem torturou? 

A Corregedoria investigou o caso. Descobriu o nome dos investigadores que junto com delegado Júlio Brasil Ferreira participaram da interrogação com ameaças, arma na mesa, chute na canela, e tapa na cabeça de fazer boné voar, conforme relato dos filhos de Isaías Moreira: foram Rosie Aparecida Costa dos Santos, seu marido Sylvio Edmundo dos Santos Júnior e Marcos Stoffels Kaefer.

Recolhendo informações dos jovens em Morro da Pedra, a Corregedoria ouviu que os jovens foram ameaçados no dia anterior pelos mesmos investigadores; estabeleceu que de fato estavam lá, e em qual viatura.

Isaias: tortura dos filhos na delegacia de Taquara,
nunca punido

Relativizar a tortura é como relativizar o estupro. A tortura é crime hediondo, e que não prescreve. Quem justifica a tortura de menores, ("foi pouca violência", "já eram grandes") logo justifica tudo.

Dei os nomes que estavam lá na hora da tortura, conforme a investigação da Corregedoria. Mas porque a impunidade? Porque os torturadores não foram indiciados, presos, e condenados?

Um nome não tenho: o autor dos últimos parágrafos do relatório da Corregedoria, que mudam o teor de tudo que veio antes. De repente diz que "presente uma gama de tal elementos probatórios", Delegado Juliano não teria porque fazer uma coisa destas. Mas mostramos aqui, ao longa dos postagens deste blog, a natureza verdadeira dos "tal elementos": eram atestados sem valor de uma falsa psiquiatra; laudos que comprovaram somente a ausência de provas; enquanto outros laudos que exoneraram os acusados foram sonegadas da Justiça durante meses; evidências claramente plantadas como os CDs entregues para a Justiça em quantidade muito maior dos que foram apreendidos; cartas do delegado Juliano "sumarizando" os resultados de laudos, de maneira completamente equivocada. Era lixo.

Juliano precisava, sim, de acusações, pois ele não tinha evidência nenhuma para apoiar as acusações que fez para as câmeras da televisão.

E não devemos deixar fora a Embaixada Americana, que mandou o agente Ronald A. Hendren da FBI para Rio Grande do Sol com um relatório fajuta para prejudicar os acusados, fugindo completamente dos procedimentos estabelecidos exatamente para evitar que este tipo de ação, procedimentos que exigem que alguém verifique e responde pela autenticidade de documentos. Também nada aprenderam.

Quem tolerou?

Mas quem tolerou a tortura de menores em Taquara? De quem era a responsabilidade de ouvir as denúncias das vítimas, de cobrar a investigação delas, de denunciar os culpados? Que foi que em vez disso, fechou a Promotoria às vítimas, mandando eles procurar a Corregedoria em Porto Alegre, sabendo perfeitamente que não tiverem condições financeiras de fazer tal viagem? Quem pediu grampos nos telefones de quem denunciou a tortura, e de quem defendeu os acusados? Quem ouviu acusações absolutamente absurdas do grupo de acusadores (que não são as supostas vítimas, que sempre negaram qualquer crime), do sequestrador, dos devedores, do corno e do resto da corja da Colina do Sol, e os aconselhou como fazer para que suas bobagens virassem denúncia?

Este pessoa tem nome, sobrenome, e cargo: Dra. Natália Cagliari, Promotora de Infância e Juventude da Comarca de Taquara. Na época a penúltima na lista de antiguidade dos promotores do Rio Grande do Sul, pode ser que ela faltava experiência. Pode ser que faltava aptidão. Pode ser que lhe faltava o mínimo de discernimento ou emprenho precisos para reconhecer a conta de fadas que foi lhe apresentada.

Mas faltou algo, algo essencial a um Promotor de Justiça.

E falto muito também no Fórum de Taquara.

Uma matéria sobre a tortura do filhos de Dermi levou o titulo "A ditadura não acabou". Em Taquara, o espírito da ditadura está vivo, como estava 40 anos atrás, com a tortura de crianças na delegacia, e a perversão das mecanismos da lei para castigar os inocentes, e encobrir os culpados. Continua, lamento especialmente, a diplomacia americana como criatura dos esgotos. Nada foi aprendido. E a polícia, nada esqueceu.