segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Naturismo e funk

MC Gui: "O Justin Bieber do funk"
Terça-feira passada, fui ao RedeTV! participar da gravação de um segmento de SuperPop, ao pedido de Alfredo, o Antônio Conselheiro sem batina cujos seguidores levantam a bandeira da liberação de nudez. A gravação incluiu outros representantes das ala da vanguarda de naturismo, e da ala retrograda, também.

O segmento vai passar dia 7 às 22h. Adiantar o conteúdo de programas é considerado falta grave, mas o que era mais interessante passou antes, no camarim. Sem planejamento, e além da imaginação. Pois nunca imaginei que existia o "Justin Bieber do Funk", muito menos do que eu o conheceria. Ou que a presença do seu grupo me ensinaria muito mais sobre a liberdade de nudez, do que o debate no SuperPop. Mas vamos aos partes.

Matamos uma tarde no estúdio

Os estúdios de RedeTV! ficam em Osasco, ao lado do Rodoviária Castelo Branco. A gravação acabou sendo um compromisso de 11 horas, pois mandaram um carro as 13:00, e quando terminamos de gravar um "depoimento" preliminar, já não tinha muito sentido voltar para o centro para depois regressar. Aceitamos jantar no restaurante do RedeTV!, e aguardamos num enorme camarim, com muitos espelhos enormes.

Deu para atualizar um pouco com o pessoal. Ouvi que Marcelo, que ajudou organizar as manifestações de Ibirapuera, tinha sido expulso do grupo SPNat em decorrência deste ativismo. No dia seguinte ouvi que outro naturista que compareceu no evento no parque, Dr. Luciano, foi também expulso do SPNat, sob outro pretexto. Confirmou o que eu já sabia: as organizações, os códigos e comissões de "ética", servem não para incluir mais gente no naturismo, mas para expulsar quem desafia a panelinha.

Alguém aqui é ridículo. Mas quem será?

O funk invade o camarim

Com a noite, os camarins começaram encher. Nosso era grande, e colocaram o "outro lado" num camarim diferente, para assegurar o "conflito" que faz parte destas programas. De SuperPop também ganhamos Dr. Fernando, que seria um dos comentaristas neutros, e que se mostrou boa praça. E ai, os convidados das várias programas que chegaram, foram rateados entre os camarins. Pouco depois das 19:00, a porta abriu ... para uma fuga em massa da cadeia, ou a torcida dos Corinthians. Pelo menos assim que me pareceu.

Mas não era nada disso. Era um grupo de funk. Um rapaz enorme, cheio de tatuagens. Vários outros com visual de traficante, correntes de ouro e óculos escuros. Uma garota estava com quase tudo de roupas rosa-choque e peludas, como se tivesse caçada o Pantera Cor de Rosa.

Mas, visual é visual. A chegada de Dr. Fernando de terno tinha me alegrada, aqui era "gente normal" com quem daria para bater um papo. Dr. Fernando estava com sua roupa de trabalho. Ele não poderia aparecer no Tribunal de Justiça para fazer uma sustentação de colares de ouro e camisa aberto.

Mas, igualmente, um grupo de funk não poderia aparecer no palco de terno e gravata: seriam vaiados, só que com menos latim do que um funkeiro ouviria no Tribunal.

Devemos julgar pelas aparências? Os funkeiros foram simpáticos, imediatamente cumprimentando todo mundo que lá já estava. Acharam engraçado meu bigode fixado com cera; achei engraçado o topete do vocalista MC Gui (Guilherme Kaue Castanheira Alves) fixado com gel. Foram, enfim, gente fina, apesar da dificuldade que tinham em entender meu sotaque, e eu de entender o sotaque deles.

E o funk?

Eu já tinha minha opinião sobre funk: não ouvi e não gostei. Ouvi falar de bailes funk na periferia, li do funkeiro MC Daleste assassinado no palco em Campinas poucas semanas atrás, já ouvi rap e achei agressivo e entediante e que funk seria semelhante. Eu não precisava ouvir funk para saber que era algo que não me interessava.

Minha opinião do funk, era bem semelhante, e tão bem fundamentada, do que a opinião do público em geral de nudismo: que nunca tentaram nem tentariam, pois não gostariam.

Resolvi, depois de conhecer o MC Gui, ouvir umas das suas músicas. O carro-chefe parece "O bonde passou". É o auto-elogia de rap, em versão adolescente, e sem muita da agressividade verbal e musical. (Dica: Ligando as legendas no inglês, que captam o senso sem o sentido, acentua a experiência.) Aparentemente ele faz sucesso, com mais de 13 milhões de exibições só deste clipe, com quase 50 mil "curtidas". E tem fás: uma fala num comentário de "Guiinátiicas eh Guinátiiicos !" Curioso que canta de "Chandon" sem poder beber; mostra carrões sem poder dirigir; mostra garotas muita gatas sem ... mas estou me desviando do assunto.

Os vídeos mostram "luxo" brega (McMansions, etc.), e as letras falam explicitamente de "ostentação". Devo criticar MC Gui porque ele quer se exibir? Sendo que eu estava na RedeTV! para falar de nudismo, acho melhor eu seguir a regra de que "quem tem telha de vidro não deve jogar pedras".

Um vídeo mais informativo é um show ao vivo em Capão Redondo. Um videoclipe é muito produzido, mas ao vivo dá para ver se ele consegue cantar sem múltiplos takes, e dá para ver quem é seu público. Lá para 09:00 do clipe, ele tira a camisa. Para mim, neste momento em vez de mostrar 15 anos, ele passa a aparentar uns 10. Mas não sou seu público alvo: "as mina pira", acho que é a frase. É inegável que MC Gui consegue animar a plateia.

Andar fora da moda merece pena?

Foi lançado recentemente uma nova adaptação de The Great Gatsby, com Leonardo DiCaprio como Gatsby, e música Hip-Hop em vez da Jazz do que Fitzgerald escrevia. O raciocínio do diretor era que quando o livro foi escrito, Jazz era a música novo, vindo dos pobres, que quebrava as regras, e Hip-Hop era assim hoje. Lembrei de um filme sobre Richie Valens, cujo música hoje é dia e "golden oldie", mas no filme o pai da namorada de Richie chamava de "jungle music". O rock era assim também, e cada estilo novo quando chega é denunciado como o fim dos tempos ou pelo menos do bom gosto.

Homens já foram presos para não usar o parte de cima de roupa de banho, e mulheres foram por entrar no mar com meias brancas em vez das pretas que a decência exige. A maiô que deixa exposta as pernas e os braços já foi um escândalo, e o bikini também já foi, e a asa-delta e o fio dental podem dar prisão na Flórida ainda hoje.

Será que na moda como na música, o estilo de hoje é o crime de ontem? E a nostalgia de amanha?

Apologia ao crime?

Procurando saber quem era o grupo (e até o que seria a ortografia de "funkeiro"), usei o Google. Deparei logo com "Mais um funkeiro é preso por apologia ao tráfico de drogas". Porque Dr. Fernando de beca pode defender um cliente acusado de tráfico no Fórum, mas um funkeiro de corrente de ouro e boné não poder fazer o mesmo? É a roupa? O cor do pele? Porque uma manifestação de pensamento é protegida, e a outra não? Porque uma advogada poderia defender os PMs que fizerem o massacre de Carandiru, dizendo basicamente que "bandido bom é bandido morto"? Ela não fazia apologia ao crime pior?

Vive e deixar viver

Naquele camarim cheio de espelhos, o espelho maior era MC Gui e sua banda. Eu não ouvi funk e não gostei, e assim o público encara naturismo. Achei o visual do clipe de MC Gui brega e de um mau gosto tremendo, e assim o público encara o naturismo.

Há muito gente que ache que os espaços públicos e verbas públicas não devem ser utilizadas pelo funk, que estes devem ser reservadas para "música verdadeira". Igualmente, o naturismo dever ser barrado dos parques, pois estes são "para famílias".

Funkeiro deve ser preso porque sua música é ofensiva? Naturistas devem ser presos porque há quem não quer ver, e é um esforço virar a cabeça?

Por acaso, a porta abriu e o funk entrou. Provocou pensamento, e uma mudança nos meus atitudes. A proposta defendida no SuperPop pelo Alfredo, Marcelo e Thamiris, de que a nudez não deve ser confinado em jaulas, pode abir uma porta mais outra pessoas. Vai provocar pensamento, vão quebrar preconceitos. Sou a favor.

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