quarta-feira, 16 de abril de 2014

Heraclita e a promotora

A promotora Dra. Natalia Cagliari cita na sua apelação no caso Colina do Sol um autor que cita Heráclita: "Não se desce duas vezes o mesmo rio, pois, na segunda, ele já não é o mesmo." O autor citado, o advogado Roberto Lyra, usa o aforismo para argumentar que filosofia prova que a certeza não existe. Lyra erra na sua interpretação de Heráclita, e Dra. Natália erra na aplicação de Heráclita no caso Colina do Sol.

A promotora faz uns argumentos sobre a natureza da verdade (que examinaremos em outra hora); e daí que as provas colhidas na fase policial convencem, e convencendo, justificam a condenação.

Mas a lição de Heráclita é outra, e bastante pertinente a este processo de 5600 páginas que durou já seis anos e meio. Ele ensina que o mundo está em mudança constante; que a única coisa constante no universo é a mudança. A existência na visão de Heráclita não é um estado fixo, constante: é um ... processo.

Um processo jurídico passa por vários fases; e em cada passo progrede e muda. Fisicamente, a coisa ganha páginas. Intelectualmente, deveria estar acumulando evidências e argumentos que tendem na direção da verdade. O que é verdade ganha detalhes, fica mais rebuscado e mais robusto. O que é mentira derrete como gelo no deserto.

O mundo jurídico valoriza muito o "contraditório", a teoria em que a acusação e a defesa puxam em direções opostas e a verdade se encontra no meio. Na luz do contraditório aparecem as mentiras e as contradições.

Enquanto, teoricamente, a polícia faz uma investigação isenta, a realidade é que a polícia procure evidência de culpa. A tendência é que na hora que o Ministério Publico recebe o relatório do delegado, o processo reflete monoliticamente a acusação.

Dra. Natalia urge a valorização dos indícios colhidos na fase policial:

Já os indícios constituem prova processual expressamente prevista no ordenamento jurídico processo penal e, no caso em tela, são robustas ...

Os indícios e Anerose

Os indícios constituem prova robusta? Vamos examinar um - sem importância, mas que serve bem para ilustrar. Anerose Braga disse para a polícia (fls 458) que seu filho foi abusado por Fritz Louderback. Pode ser argumentado que isso seja um indício robusto. Mas na Justiça, ela apontou seu outro filho como a vítima, e o próprio negou abuso. A avó dos jovens disse que ela conversou com seus netos depois das prisões e eles teriam negado abuso - e falou ainda que sua ex-nora Anerose tinha prazem em mentir para prejudicar os outros.

O processo já não ficou o mesmo, e o indício ninguém poderia chamar mais de robusto.

Porém, a sabedoria de Heráclita foi demonstrada.

Os outros indícios sofreram destino igual. Um riacho de indícios liberados pela polícia foram varridos pela enxurrada de provas de que os acusado são todos inocentes.

O rio já não é mais o mesmo

Dra. Natalia quer pisar de novo no mesmo rio. Urge que os acusados sejam julgados e condenados baseado nos indícios que a polícia liberou seis anos atrás, e não pelas provas que agora constam no processo, pelo rio depois passado seis anos e 5600 páginas de processo.

Heráclita foi citado na apelação como se a analogia do rio ilustrava a dificuldade de encontrar a verdade. Que comprove somente desentendimento do que disse Heráclita. Segue para um desentendimento epistemológica, sobre a natureza de verdade. Mas é outro desentendimento, que urge outro postagem.

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