quinta-feira, 24 de abril de 2014

Assassinato e assassinato moral

O assassinato do menino Bernardo Boldrini é outro caso, quando visto pelos óculos de quem já lidou como crime mediática. O papel do pai, que saiu até na capa de Veja como a "face do mal", merece reflexão. Parece que a delegada já está refletindo, ou retratando: teve certeza da participação do pai no assassinato, e agora "a polícia" suspeita somente que tentou ocultar o crime. Vamos ver uns paralelos e esquisitices do caso.

A delegada mediática

Quando li do caso, antes de mais nada fiz Google no nome da delegada Caroline Bamberg Machado. É mediática, aparecendo em vários casos no passado, que é um sinal se não vermelho pelo menos amarelo: delegado que adora aparecer é característica de falsas acusações. Cuidado.

"Sigilo de Justiça"

A desculpa no caso Colina do Sol pelo "sigilo da Justiça" foi de "proteger as crianças", mas o Bernardo está morto. Vimos hoje no G1 uma desculpa oficial:

O advogado já teve acesso parcial ao inquérito do caso, que corre em segredo de Justiça por se tratar de caso familiar

"Caso familiar", uma ova. É um assassinato. O interesse público é nítida. E "acesso parcial" ao advogado? A imprensa também tem "acesso parcial", conforme o que interesse a polícia.

O motivo real do sigilo parece o de sempre, de proteger a acusação. Encontramos:

Procurado para falar sobre os detalhes do crime e sobre o que seu cliente contou em depoimento à polícia na semana passada, o advogado Jader Marques, que defende Leandro Boldrini, se negou a comentar a confissão de Edelvânia, mas disse estar surpreso com o fato de a informação de que seu cliente não sabia do crime nunca ter sido divulgada pela polícia. Fonte: Zero Hora.

A matéria acima informa, no dia 19, que "Zero Hora teve acesso ao depoimento" da assistente social Edelvânia. Mas vimos manchete no G1/Globo segunda-feira que "Justiça autoriza advogado do pai de Bernardo a acessar inquérito policial" e que

Como o caso corre em segredo de Justiça, o pedido havia sido negado na semana passada pela delegada Caroline Virginia Bamberg, responsável pela investigação.

A imprensa tem acesso ao inquérito, mas o advogado do acusado, não? E é chamado "sigilo de Justiça"?

Se Zero Hora tivesse acesso ao depoimento, porque não noticiou que Edelvania negou que o pai soubesse? Talvez não teve acesso integral ao depoimento, e não desconfiou (como deveria ter desconfiado) do que estava sendo escondido. Ou talvez como é padrão nestes caso, resolveu que "não é notícia" o que não sustenta a acusação.

"Frieza"

O grande Luis Nassif comentou na Folha em 2006:

No noticiário policial, ser "fria" passou a ser elemento vital no julgamento (e condenação) de qualquer suspeito. O sujeito comete um crime, é apanhado, sabe que está perdido, mas o delegado sempre se espanta com sua "frieza". Esse estereótipo freqüenta o noticiário policial e sempre é eficiente para induzir a prejulgamentos.

Duvidei ainda mais da atuação da delegada no caso quando li ela comentando a "frieza" dos acusados. A procura de maneiras de caracterizar o pai de Bernardo como pouco afetuoso com o filho caem na mesma padrão. E uma das fraquezas da imprensa é escolher primeira a padrão, e depois escolher ou adaptar os fatos para melhor caber nela.

Tanto mais estarrecedor, melhor

A imprensa não dá espaço ao fato mais bem comprovado, mais ao acusação mais estarrecedor. Bom exemplo é a acusação de que o menino estava enterrado vivo.

A Justiça que não acreditou no menino

Bernado queria ser adotado por outra família, e foi ao Ministério Publico pedir. A Justiça não acreditou no menino. Parece que vai dar investigação da Assembleia Legislativa.

Mas conforme esta matéria do Globo, o deputado Marlon Santos afirmou que Bernardo foi:

“Talvez a única criança no Brasil que foi bater na porta de órgãos públicos para pedir socorro”, comentou o deputado, em entrevista coletiva.

Não foi a única criança, não. Três filhos de Isaías Moreira bateram na porta do Ministério Publico de Taquara, querendo denunciar a tortura que sofrerem na delegacia da cidade (pelo equipe de delegado Juliano Brasil Ferreira, e não pelos policias taquarenses), e a promotora Dra. Natalia Cagliari se recusou a receber-los. Sorte igual tiveram no Fórum de Taquara.

Os órgãos públicos não acreditaram no Bernardo, criança de 11 anos? Também o Fórum, o Ministério Publico, e a "técnica facilitadora" se recusaram a acreditar as "vítimas" de Morro da Pedra, que negaram qualquer abuso.

A Justiça de Três Passos talvez teria um deslize momentâneo para explicar. O Ministério Publico a a Justiça de Taquara, porém, tem um deslize monumental.

Sem sangue nem faca

Os motivos da assistente social Edelvania Wirganovicz, conforme a imprensa, eram que receberia R$20 mil e "Era muito dinheiro e não teria sangue nem faca". Parece mesquinha, mas o que foram os motivos dos que fizerem acusações falsas no caso Colina do Sol? Também mesquinhas. E no assassinato moral, não há "sangue nem faca", ainda que houve gente que morreu por isso, e inocentes que perderem anos de suas vidas, e todos seus posses. Mas talvez os acusadores pensaram que era tudo bem, pois não tinha "sangue nem faca".

Conforme a defesa, somente ocultou

Edelvania apontou a cova de Bernardo. Porém, o advogado dela afirma que sua participação foi somente em ocultar o cadáver.

Houve uma confissão de Edelvania? Sim, na delegacia sob interrogação sem advogado, da mesma maneira que foi conseguido uma acusação dos filhos de Isaías. Sei também de experiência própria os métodos da polícia brasileira para conseguir assinaturas em delegacia.

Houve uma conspiração anterior ao assassinato do garoto, conforme a polícia. Mas vale lembrar que isso é "conforme a polícia", e no caso Colina do Sol vimos muita coisa dito pela polícia e divulgada pela imprensa, que era falsa. Mais, era mentira.

O menino saiu vivo de Três Passos, e encontrado morto no Frederico Westphalen, cidade onde Edelvania mora. A maneira que ele foi de uma cidade para outro; quando a pá e enxada foram comprados; quando a cova foi cavada: todos estes fatos ajudariam saber o que foi a participação da Edelvania. Seguindo os passos de Sylvio Edmundo, muito ficou claro no caso Colina do Sol. Seguindo os passos de Edelvania, ajudaria saber o que aconteceu com o garoto Bernardo.

Seguinte UOL:

Conforme o advogado, Edelvania assume que auxiliou Graciele a enterrar o corpo de Bernardo, e que a cova foi aberta logo depois que a madrasta aplicou a injeção letal no menino, e não dois dias antes, como defende a polícia.

Há mais contestação do advogado no G1/Globo:

O advogado de Edelvania, porém, alega que, em conversa com a cliente nesta terça, na casa prisional onde ela está detida, ouviu uma versão distinta. “As coisas que ela me relata são diferentes. Mostrei a ela o conteúdo do depoimento e ela diz que não confirma tudo aquilo. É uma versão matemática usada pela polícia que ela jamais teria dito. Não quero entrar no mérito, não coloco em dúvida a autoridade policial. Mas ela só assume a ocultação do cadáver, ela não matou”, disse Grapiglia ao G1.

Segundo o defensor da suspeita, a cliente ficou "revoltada" ao saber o conteúdo do depoimento divulgado pela polícia. "Ela está revoltada com o fato de as pessoas a transformarem em um monstro. Ela foi enrolada e pressionada a participar da ocultação. É natural que reaja assim", afirmou.

O advogado ainda negou que dinheiro tenha sido oferecido a ela pela madrasta do garoto, como diz a polícia, mas não quis apontar os motivos para a participação dela na ocultação. "Tudo isso será informado ao juiz, ela vai se reservar a esse direito. Muito embora ela confirme, não estou autorizado a dar detalhes sobre como isso ocorreu. Não há dinheiro, pois a Edelvania estava saudável financeiramente. A defesa dela está sendo paga com recursos próprios. E ela não estava desesperada por dinheiro, como prega a polícia", assegurou Grapiglia.

Há um desigualidade de armas. O delegado "garante", o advogado da Edelvania se saiu bem ao "afirmar"; normalmente a defesa somente "alega" na imprensa. A policia vaza as folhas do inquérito que sejam convenientes; a defesa veja somente parte da papelada, e se vazar isso arrisca ser processada.

Ocultação da verdade

A participação de Edelvania na ocultação do cadáver não pode ser negado, a do pai no "ocultação do crime" resta a ser comprovada.

Mas a alegre participação da imprensa na ocultação da verdade é inegável.

A imprensa não questionou o motivo bizarro oferecido pelo "sigilo da Justiça", talvez porque estava sendo satisfeito sua sede por acusações, sem fatos inconvenientes.

O motivo que a imprensa eventualmente oferecerá será semelhante ao de Edelvania: foi a polícia que fez as acusações, e a imprensa somente espalhou pelo "dever de informar". A diferença essencial é que, enquanto pode ser que Edelvania foi apresentado com um menino já morto, o assassinato moral de Edelvania e do pai de Bernando somente foi efetivado com a participação da mídia.

Seria interessante acompanhar o que a defesa de Edelvania e do pai de Bernardo tenham a dizer, especialmente depois de que o "sigilo de Justiça" seja quebrado. Infelizmente, por isso teríamos que confiar na imprensa, e uma vez que não é mais possível ocultar as falas de cobertura, a imprensa resolverá que o caso de Bernardo "não é mais notícia".

Jogaria uma pá de cal no caso, e enterraria no final do caderno.

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