segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A tragêdia da viúva

Hoje a tarde os recursos serão julgados no caso do Gol 1907. O ministéro publico quer um aumento da pena, de 4 anos e 4 meses em regime semi-aberto, revertido para serviços comunitários, e uma perda equivelente dos brêves de piloto. Dr. Theodomiro Dias defenderá os pilotos, pedindo absolvição no único das seis acusações de que foram condenados. A sra. Rosane Prates de Amorim Gutjahr pede que sejam condenados em tudo que foram absolvidos na primeira instância, e a pena aumentada.

O foco deste blog é crimes de imprensa, o uso do barulho da mídia numa tentativa de pressionar a Justiça de condenar pessoas. No caso do Gol 1907, o barulho inicial foi a falha padrão da imprensa brasileira: de procurar um culpado, e depois de escolhido, berrar tudo que apoiava a acusação, e ignorar tudo que apoiava conclusão disparate: pois "não é notícia".

Recentemente, o barulho veio mais de um tal de "Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo Gol 1907." O portal G1 hoje diz que tal Associação "é um dos apelantes." Falso, a apelante é Rosane Gutjahr, como dito acima, e fácilmente verificável no site do TRF-1:



Partes
Tipo Ent OAB Nome Caract.
APTE 779 JUSTICA PUBLICA
PROC/S/OAB ANALICIA ORTEGA HARTZ
APTE ROSANE PRATES DE AMORIM GUTJAHR
ADVOGADO DF00032151 GABRIELA NEHME BEMFICA E OUTROS(AS)
APDO JOSEPH LEPORE
APDO JAN PAUL PALADINO
ADVOGADO SP00206739 FRANCISCO PEREIRA DE QUEIROZ E OUTROS(AS)

Esta Associação representa quem? Bem, no dia 13 de junho de 2007, a Associação foi para a CPI da Câmara - e encontrou um monte de parentes dizendo que esta Associação não representava eles, não. Na transcrição da Câmara (pp 47-48 do pdf, pp 48-49 do arquivo) lemos:

O SR. DEPUTADO EDUARDO CUNHA - Quando esteve aquela associação de familiares aqui, nós fizemos um acordo, todos nós, e encerramos os depoimentos. Não fizemos mais perguntas porque não vimos legitimidade. Naquele momento, anunciei –e até por falha minha não fiz o requerimento -- para fazermos uma audiência pública com as famílias das vítimas. Eu acho que isso aí, como não tem oitava de depoimentos, não tem...
[...]
A nossa preocupação com as famílias, que a gente gostaria de ter tido naquele momento, com aquela associação que a gente acreditava representá-los, mas a gente viu que na prática era, digamos, uma coisa não muito séria, então não ...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Marcelo Castro) - Não era representativa do universo.

Um trecho do áudio da  audiéncia incluindo estas falas está disponível em .MP3 aqui.

"Se o transponder estivesse ligado ..."

Os fatos deste acidente, como de qualquer acidente aéreo, são complexos. É resultado de uma série de fatores, uma cadeia de eventos. Quanquer interrução da cadeia, teria evitado o acidente.

O acidente teria sido evitado se o transponder estivesse ligado? Sim. O acidente teria sido evitado se o Boeing tivesse voado a 41 mil pés, conforme seu plano de voo? Sim. O acidente teria sido evitado caso o controlador Jomarcelo tivesse cumprido pelo menos uma das suas obrigações referentes o voo do Legacy N600XL? Sim.

Qualquer dos fatores pode ser escolhido, para dizer, "se não for isso, não teria acontecido." Nenhum dos fatores é "a causa." E não necessariamente existe um "culpado".

A filosofia SIPAER

A filosofia de investigação de acidentes aéreas não é de apontar culpados, mas de indentificar fatores que contribuiram, e fazer recomendações para que os mesmos fatores não causarem acidentes futuros.

A filosofia de investigação de acidentes aéreas não é de apontar culpados, mas de indentificar fatores que contribuiram, e fazer recomendações para que os mesmos fatores não causarem acidentes futuros.

Pois nada podemos fazer para corrigir o passado, mas o futuro podemos melhorar, sim. O que é mais importante: caçar e punir um punhado de "culpados"; ou evitar um futuro acidente e salvar talvez centenas de vidas?

A doutrina de segurança aérea ensina que qualquer acidente tem um antecessor conhecido, e qualquer fator que não foi corrigido, contribuirá para um futuro acidente.

O antecessor conhecido

Curioso que no acidente do Gol 1907, a "grande imprensa" brasileiro não procurou o antecessor conhecido.

Em 19 de setembro de 1986, um avião novo de Embraer, na sua voo de entrega para os EUA passando pela Brasília e Manaus, decolou de São José dos Campos com um tripulação americano, o piloto voando no Brasil pela primeira vez. Um clearance errado do torre de São José colocou a avião em rota de desastre; duas chamadas dos pilotos para o controle não foram atentidos, ainda que foram gravados pela CINDACTA de Brasilia, que estava ouvindo numa frequência que não era aquele dado para os pilotos.

A Brasília N219AS bateu na pedra da Queixa d'Anta, na Serra da Mantiqueira, matando todos abordo.

Vinte anos e dez dias depois, o mesmo contralador estava no torre de São José. E deu outro clearance fatal.

A causa do tragédia

Em 1986 uma série de recomendações foram feitas: que a sala AIS de São José deve estar melhor preparada para lidar com pilotos estrangeiros no Brasil pela primeira vez; que Embraer deve melhorar o acompanhamento para clientes nesta situação; que os controladores de SJC precisam de inglês melhor (esta recomendação já era de 1984); entre outras.

Estas recomendações, infelizmente, continuavam atuais 20 anos depois.

Porque as recomendações não foram cumpridos? Porque, realmente, estas causas não foram reconhecidas como as causas da tragêdia.

Era mais fácil colocar a culpa nos pilotos americanos, mortos, do que reconhecer os problemas da sistema de controle aérea brasileira.

A tragêdia da Sra. Gutjahr

Para entender a tragêdia da luta solitária da Sra. Gutjahr (digo solitária, pois sua Associação representa poucos) é preciso voltar à filosofia SIAPER. O acidente que passou é sem remenda, mas o acidente que está para vir, pode ser evitado.

A acidente de Voo Gol 1907 não foi evitado, porque as recomendações do acidente anterior não foram implementados. Foi isso que matou o marido da Sra. Gutjahr, e os outros 153 que perderem suas vidas na colisão, onde os únicos sobreviventes eram os sete que viajavam na avião menor.

A luta da Sra. Gutjahr é para culpar os pilotos americanos. Mas a causa da perda do seu marido, é que vinte anos antes, a culpa foi colocado nos pilotos americanos.

A sede se vingança da Sra. Gutjahr não vai em nada remendar a tragêdia de Gol 1907. Há perdas que não tem cura. Mas ela pode muito bem causar o próximo acidente, e a próxima safra de viuvas.

Aí que mora a tragêdia.

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