terça-feira, 25 de setembro de 2012

Casos e coragem

A materialidade é o fulcro de uma acusação de abuso sexual. Aconteceu mesmo? Conforme Dorothy Rabinowitz encerra seu livro "No Crueler Tyrannies: Acusação, Falsa Testemunha, e Outros Terrores de Nossos Tempos",

 
Finalmente, preciso notar o questionamento muitas vezes levantado durante entrevistas sobre estes casos. Eu reconhecia que o abuso sexual de crianças existe, e que é um problema séria? repórteres perguntavam. Uma pergunta estranha, aquela. A examinação de nenhuma outra crime exigiria tal ressalvo. Jornalistas que escrevem sobre acusações falsas de homicídio raramente são cobrados para assegurar que sabem que assassinato é uma coisa ruim, e que realmente acontece.
 

A polêmica vem pelo fato que em muitos casos deste tipo, e quase invariavelmente envolvendo escolas ou "redes de pedofilia", não há evidência de que um crime aconteceu, a não ser a palavra de um psicólogo. Na prática, o ônus da prova é invertida, e a defesa precisa comprovar que o crime não aconteceu. Quem defende o acusado publicamente, não tem acesso aos fatos devido o "sigilo da Justiça": precisa lutar sem munição.

Outros casos

No caso do professor Ricardo de Vila Velha, dois grupos de Facebook tem visões antagonísticas do caso: "Eu Acredito em Tio Ricardo", e "Nos Acreditamos nas Crianças". O segundo grupo é recheado de citações de outros casos, numa tentativa de comprovar que "o abuso sexual de crianças existe, e que é um problema séria", e Teorias do tipo, "quem denuncia tem coragem".

Vamos primeiro considerar os "outros casos". Um dos participantes mais vocais grupo "Nos Acreditamos nas Crianças", sr. Gustavo Carvalho, postou um caso de Mendes, no Rio de Janeiro, com link para Record. É o caso do também professor de educação física Pablo, que já analisamos aqui. É bobagem. Postou também uma notícia antiga, do caso de mais um professor de educação física, esta de Ituiutaba, interior de São Paulo. Acontece que a Justiça determinou que Adeilzio José Martins é inocente, e ele está de volta na sala de aula.

Até sr. Cavalho percebeu que os dois casos são furados. Como reagiu? Admitiu que umas acusações de abuso são falsas? Não, ele apagou as postagens no surdinho! Um ato sem coragem intelectual, nem coragem moral. Uma covardia.

Mãe Coragem

É frequente no grupo "Nos Acreditamos nas Crianças", e outros grupos do tipo, a afirmação de que quem denuncia é "corajoso". Típico é este postagem recente da sra. Roberta Gobbi, que escreveu:

 
Será que esta mãe é louca? será que a mãe é influente? será que a justiça é corrupta? será que é perseguição? será que os órgãos competentes judiciários estão cometendo uma injustiça? fala sério heim !! ESTÁ MÃE É SUPER MÃE, POIS ELA TEVE CORAGEM DE DENUNCIAR O ABUSADOR...
 

Será? No caso Colina do Sol, examinei as acusações de tortura na delegacia com os inquéritos na mão, e falei com as vítimas. As evidências de corrupção e injustiça são estrondosas.

Mas os acusadores de Vila Velha deitam e rolam no "sigilo da Justiça". Eu não tenho cópia do inquérito no caso de Ricardo, e não fui a Vila Velha falar com os envolvidos. Como saber a verdade, então? Bem, a própria sra. Gobbi segue sua perguntas com um link à acusação contra Pablo. Se outros casos valem, vamos então ver um outro caso, onde os fatos são bem documentados.

Tenho aqui o excelente livro de Alex Ribeiro sobre o caso, "Caso Escola Base: os abusos da imprensa" sobre a "mãe de todos os casos" do tipo no Brasil. Vamos ver o que o repórter Alex tem a dizer sobre a Lúcia Eiko Tanoue. Citando das páginas 139-141:

Também foi posta em xeque a forma como Lúcia obteve de seu filho o relato dos supostos crimes. Em 25 de maio depôs a teleatendente Cristiani Aparecida Próspero, mãe de um coleguinha de Fábio. Ela contou que, no dia em que foram feitas as buscas na casa de Saulo e Mara, recebeu um telefonema de Lúcia:

Lúcia me disse que para extrair os fatos do menino precisou fazer uma espécie de chantagem, isto é, dizia-lhe que se não contasse não o deixaria fazer isso ou aquilo — principalmente dormir em companhia dela, já que o menino estava acostumado a dormir em companhia da mãe. Segundo Lúcia, Fábio ficou assustado e disse que eles saíam em perua escolar, com um tio japonês, e iam para um local grande, onde existiam camas redondas, espelhos e passavam fitas de mulheres peladas.

A psicóloga Marylin Tatton, da 1ª Delegacia da Mulher, entrevistou Lúcia e fez observações sobre a sua personalidade:

[...] D. Lúcia parecia insegura. Relatou que durante uma madrugada acreditava ter visto, ela e ninguém mais, um "objeto enorme com formato de losango que tinha muitas luzes e cores e fazia um barulhinho", enquanto se dirigia ao banheiro. Não soube precisar o que seria o objeto, que não foi visto por nenhuma outra pessoa, e comenta que teve outras visões no mesmo dia.

[...] Pelo que foi observado no discurso da mãe, para algumas coisas naturais no processo de desenvolvimento infantil, a mesma trata as questões com muita fantasia e temores, ao que parece, por tratá-lo de forma muito infantilizada, como se tivesse o medo de perder o seu lugar para o mesmo.

Afirmou com exagero o fato de a criança se acariciar durante o banho. Segundo ela, por exemplo, Fábio introduzia o dedo no ânus, ou acariciava o "pipi". Muito provavelmente, as fantasias ou conflitos mal-elaborados em nível de sua sexualidade ela projeta na criança, criando uma história, ao que parece, muito fantasiosa.

Pela dificuldade de administrar sua relação afetiva e sexual com seu cônjuge, a mesma faz o movimento de manipulação com esta criança, que a satisfaz de alguma forma em nível de suas fantasias. Questiona todos os atos e gestos da criança, não admitindo que estes sejam próprios do desenvolvimento de sua sexualidade.

Pelas respostas observadas da criança e o comportamento desta, apresenta-se a hipótese de que, provavelmente, ela tenha sido induzida pela mãe a dar respostas que lhe impunham.

Sérgio Peixoto Camargo, promotor de Justiça que atuou no caso, lamentaria mais tarde "a desnecessária provocação do aparelho policial pela fantasia de pessoas imaturas, ignorantes, apoucadas de compreensão e destituídas de lógica, que não conseguem visualizar as gravíssimas conseqüências de seus atos impensados". Ele selecionou do inquérito um trecho de um depoimento de Lúcia confirmando as conclusões da psicóloga:

Fábio estava brincando com o filho do zelador, usando um brinquedo de montar destes de plástico; que, em dado momento eu notei que Fábio colocava na boca uma peça comprida, que tem aparência de um pênis; que, logo de imediato, vendo-o com aquele objeto na boca, eu cismei alguma coisa, mas não disse nada; que depois que o coleguinha dele foi embora, eu o chamei e perguntei se ele tinha colocado a boca no pipi de alguém; que Fábio me respondeu, dizendo que o japonês fez ele colocar a boca no pipi dele e me disse também que a Ângela, que é mulher e está no jornal fotografada, também colocava a boca no pipi de Fábio.

Vamos voltar às perguntas de Sra. Roberta Gobbi, e as responder, baseado neste outro caso, sobre a mãe acusadora Lúcia Eiko Tanoue:

  • Será que esta mãe é louca?
    Bem, ela vê coisas que mas ninguém enxerga, e conforme a psicóloga da polícia tem "dificuldade de administrar sua relação afetiva e sexual com seu cônjuge". Rabinowitz documenta vários casos de mães que são loucas, com (pp viii-ix) Judy Jones, acusadora no caso da Escola McMartin, que depois alegou que um fuzileiro naval assaltou sexualmente seu cachorro. Quem sabe o que encontraríamos sobre as mães e pais que acusam professor Ricardo, se tivéssemos acesso aos autos do caso?
  • será que a mãe é influente?
    O promotor lamentou a "desnecessária provocação do aparelho policial", e "as gravíssimas conseqüências de seus atos impensados". A beleza de uma acusação de abuso sexual, para quem quer se sentir importante, é que eleva a acusadora à posição de estrela. Qualquer uma que faz uma acusação destas vira influente. No caso da Colina do Sol, vimos que o assassinato comprovado de Wayne nem chegou ao Fórum ainda, enquanto uma acusação de abuso sexual negado pelas supostas vítimas já encheu 26 volumes de processo.
  • será que a justiça é corrupta?
    Não precisa ser corrupta, precisa somente ser rápida para prender, e lerda para julgar. Metade das pessoas que se encontram em presídios no Brasil estão aguardando julgamento.
  • será que é perseguição?
    No caso Escola Base uns que apoiavam os acusados me contaram que foram ameaçados pela polícia. No caso Colina do Sol, eu e Cristiano Fedrigo, além dos acusados e seus advogados, tivemos nossos telefones grampeados durante 10 meses; eu e Silvio Levy responderemos a processos sem fundamento. Isaías Moreira e seus filhos afirmaram que foram torturados na delegacia para fazer afirmações falsas. Se isso não for perseguição, não sei o que seria. Posso acreditar que houve e há perseguição no caso do professor Ricardo em Vila Velha.
  • será que os órgãos competentes judiciários estão cometendo uma injustiça?
    Alex não aponta no livro, mas o juiz que prendeu inocentes no caso Escola Base, Dr. José Galvão Bruno, voltou a prender inocentes um ano depois no quase igualmente famoso caso do Bar Bodega. No caso da Colina do Sol, não consigo enxergar a tortura de menores como sendo justo, e examinamos outro caso mediático do delegado Juliano Brasil Ferreira.
  • ESTÁ MÃE É SUPER MÃE, POIS ELA TEVE CORAGEM DE DENUNCIAR O ABUSADOR...
    Conforme o promotor Sérgio Peixoto Camargo que examinou os fatos, Lúcia Eiko Tanoue e as outras causaram "a desnecessária provocação do aparelho policial pela fantasia de pessoas imaturas, ignorantes, apoucadas de compreensão e destituídas de lógica, que não conseguem visualizar as gravíssimas conseqüências de seus atos impensados".

O que é a coragem?

Reconheço a existência de abuso sexual de crianças. Reconheço, ainda, a existência de coragem.

Eu vi coragem na pessoa da promotor da Justiça Dr. Eduardo Araújo da Silva, que pediu a liberdade dos acusado no caso Bar Bodega. Vi na pessoa da delegada Rosana da Silva Vanni, que na caça às bruxas de Catanduva se recusou de entregar os nomes de pessoas contra quem ela sabia não existia evidências, e foi massacrada pela imprensa por isso.

Eu vi coragem nas crianças que no caso da Escola Base, enquanto a imprensa nacional massacrava um vizinho, fizerem um abaixo-assinado o apoiando. Eu vi coragem nos pais de Morro da Pedra que se recusavam de acusar inocentes, ainda sabendo que eles mesmos seriam denunciados por isso. Eu vi coragem nas crianças que marcharam ao fórum de Taquara mostrar seu apoio para os falsamente acusados, sabendo que seriam reprimidos por isso, e seus nomes anotados pelas Autoridades. Eu vi coragem nos jovens que declararam em cartório a falsidade das acusações no caso Colina do Sol.

Eu vi coragem em Cristiano Fedrigo, que com 20 anos mal completas, um passagem de avião em mãos e um bolsa de estudo aguardando em Novo Iorque, resolveu ficar e lutar em favor de Fritz e Barbara, ciente que estaria lutando sozinho contra a polícia, a Justiça e a imprensa.

Eu sei que a coragem existe, e eu a reconheço.

Mas a coragem é um qualidade individual. No grupo "Eu acredito em Tio Ricardo", cada "eu" afirma. Cada um toma sua posição, coloca a cara a tapa. No grupo "Nos acreditamos nas crianças", já as pessoas se juntam ao pronome coletivo de "nos". E não se colocam pela culpa ou inocência: se escondem atrás de "as crianças". Comprovando que as mães ou as psicólogos induziram acusações como Lúcia Eiko Tanoue induziu, podem fugir da raia, dizendo que "afinal, somente acreditei nas crianças." Mentira. São responsáveis pelas "gravíssimas conseqüências de seus atos impensados", que tinham e tem condições, sim, de visualizar.

A coragem vai contra a onda, conta a poder, contra a maioria.

Quando eu era jovem, era um mistério para mim, como as pessoas eram coniventes com as males da historia. Como alguém participaria de um linchamento, entregar um vizinho ao Santo Ofício, dedurar um colega para Senador Joe McCarthy, entregar em qualquer época os inimigos do Estado?

Cresci. Vivi. Testemunhei.

Assisti no Palácio dos Bandeirantes a estreia do filme "Cabra Cega", sobre revolucionários na ditadura militar, e reconheci nos pôsteres nos ônibus com os rostos de procurados, os pôsteres de "Disque 100! Denuncia!" nos ônibus de hoje. Encontrei os devedores da Colina do Sol que acharam na denuncia falsa uma maneira de se livrar das suas dívidas. Encontrei um Senador McCarthy tropicalizado, e fui por ele convocado e questionado em CPI. E vi como em qualquer época não há falta de gente disposta a correr e participar de um linchamento, e se achar cheio de moralidade e coragem por assim fazer.

Reconheço a coragem, e reconheço a covardia. Dr. Martin Luther King disse que "O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons." Eu vi no caso do Tio Ricardo de Vila Velha o bons que não ficaram no silêncio, que marcham, escrevem e falam em defesa de um homem que sabem inocente.

E ouvi também, e ouço, o grito dos maus, que se escondem atrás do sigílo, da Autoridade, e até atrás das crianças.

E reconheço a coragem, e reconheço a covardia.

   

Um comentário:

  1. Excelente matéria, pessoas do Judiciário deveriam também se interessar!

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