segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Feira de jatinhos

Semana retrasada aconteceu a LABACE - Latin American Business Aviation Conference & Exhibition - ou, se prefere, o show de jatinhos no Congonhas.

Há grandes diferenças entre cobrir uma exibição tipo LABACE, e a reportagem que faço em casos com o caso Colina do Sol. Vou começar pelo superficial: escrever sobre jatinhos é gostoso. Quarta-feira andei de jatinho ACJ 318 de Airbus, para Rio de Janeiro e de volta, sem parar. O 318 é 2,4 metros mais curto que o "Aerolula", que é um 319.

Quinta feira foi café de manhã (realmente, ao quase meio-dia) antes da abertura formal. E durante três dias me alimentei a base de champanha e canapés.

Que seria muita boa, se não for 12 horas por dia de feira. Desisti da champanha depois do primeiro dia, e forrei a barriga com um prato de aveia nas outras manhas.

Foto: www.asasmetalicas.com.br

Mas isso é o superficial. As diferenças de substância ajudam entender porque a cobertura de casos como da Colina do Sol é tão ruim.

O entrevistado preparado

Na LABACE, falei com uma dúzia ou mais de pessoas por dia. Não somente os vendedores, mas até os pilotos, eram pessoas escolhidas para ser bons comunicadores. Estavam falando de assuntos com que lidavam todos os dias, sobre pautas que tinham falados em muitas outras feiras. Qualquer crítica possível ("Jatinho é para rico passear com a família, e o poodle") já encontraram antes, e já treinaram respostas. Estão no seu pavilhão, com seus produtos, seus colegas, seu assessor de imprensa, "endomingados", sabendo o tipo de pergunta que teria que responder, e pronto para responder.

Mas num caso policial, veja o contraste com o "acusado". Ele obviamente não teve tempo para se preparar para a "coletiva"; muitos vezes nem sabe do que está sendo acusado - a polícia conta isso antes para a imprensa. É geralmente uma pessoa desacostumada a lidar com a imprensa, ou se for acostumada, não desta maneira. Quem lembra do Maluf preso, pode contrastar com o Maluf deputado. Imagine, quem não tem anos de experiência com a imprensa, que está sendo pela primeira vez entrevistado - e acusado.

E a "matéria de divulgação"? As "provas" estão tudas nas mão da polícia, que apresenta o que quiser, na maneira que prefere, como. No caso Tambaba, a fotos de família do naturista Nelci Rones foram apresentadas à imprensa com tarjas pretas, com Rones longe para que não poderia contestar as alegações da polícia e da promotoria. E já destacamos a tralha apresentada como prova no caso Colina do Sol.

Quando comparamos, é óbvio que a situação do entrevistado é bastante diferente. A imprensa encara isso - não comparando. Finge que as situações são iguais.

Para o repórter também é diferente

Algo que ficou claro para mim, nesta feira de aviões, é quanto a entrevista é diferente também para o entrevistador. É cômodo ouvir as pessoas vendendo seu peixe. É fácil receber os releases, remexer as frases um pouco e mandar para o editor.

É um trabalho muito mais gostoso. Estas pessoas já entendem o jogo. Querem cobertura da revista, estão dispostas a colaborar, já colaboraram com outros. Não é como falar com pessoas que já foram queimadas pela imprensa, que não entendem as funções e limitações da mídia. Para quem não quer se esforçar, o trabalho pode ficar nas viagens de jatinho, os canapés, as histórias que querem contar.

Interesses comuns

E a indústria é pequena. As pessoas com quem falei este ano, já encontrei antes, em outras feiras, outras coletivas, outros lançamentos de aviões. Muitos me conhecem; numa das minhas primeiras feiras fiquei assustado quando uma assessor de imprensa de quem nunca ouvi falar, sabia muito bem do meu trabalho com Joe Sharkey, no caso de Gol 1907.

Mas, nesta indústria pequena, a revista para qual escrevo é grande. Recebo na LABACE o tratamento de "gente importante" com que muito jovem sonha ao escolher a carreira de jornalista.

Além do mais, as empresas que estão na feira como assuntos de reportagem, são as empresas que compram as propagandas que sustentam a revista. Ainda assim, meu editor, que estava na LABACE, me contou de casos concretos: a notícia vem primeiro, até quando é contra o interesse dos anunciantes. Mas estes casos são raros, e todos sabem disso. É uma grande família.

Há uma preocupação, escrevendo, para evitar fatos ou assuntos que poderiam incomodar o foco do reportagem. Aviões a hélice não são tão rápidos quanto jatos; jatos não conseguem pousam em tantas pistas quanto os de hélice. Mas escrevendo de aviões a hélice fala-se das lugares que alcance, e dos jatos, da distância e velocidade.

Ainda, as linhas entre os "lados" são pouco distintas, e podem mudar. Quem é repórter nesta feira, ano que vem pode ser relações-públicas, e vice-versa. Outro exemplo é a lema da feira, "Where business aviation lands, the economy takes off!" Fui eu quem bolei para ABAG, que organiza a feira. (E não somente a "versão", a português é minha, também.) Para todos, a ganha-pão é aviação executiva, e todos torçem para seu crescimento, as divergências entrando somente porque cada um quer que sua fatia cresce mais.

E isso com o caso Colina do Sol?

Na LABACE, passei pela mesma convivência com os fontes que é o quotidiano dos repórteres policiais. A editora policial é por uns repórteres experientes, a carreira escolhida, em que encontram dia depois dia os mesmos fontes - e raramente os mesmos acusados. A boa-vontade da polícia é essencial para sua carreira.

Há, também, os repórteres no início da carreira, que querem passar logo por isso, para chegar no "jornalismo de verdade". Acusar pequenas picaretas é o preço que se pagar, para chegar ao ponto em que pode acusar grandes picaretas. Pouco querem incomodar a polícia, que é truculento, e costuma andar armada. E nem tem a experiência que permitiria perceberem quando estão sendo tapeados.

Mas há uma diferença enorme entre a cobertura de um setor industrial, e cobrir a notícia policial. Os vendedores na LABACE brilhavam no esplendor refletido dos seus aeronaves, ou dos seus produtos, sejas ligas metálicas especiais ou refeições para quem voar acima da primeira classe.

Os "heróis" do jornalismo policial brilham no luz dos acusados. Para ser herói, é preciso ter vilão. Na falta de um culpado de verdade, serve qualquer um, como no caso do Bar Bodega. Na falta de um crime de repercussão, pode-se fabricar um sob encomenda, como no caso Colina do Sol ou o caso Tambaba, ou na caça às bruxas de Catanduva. Ou tantos outros casos.

Somente desperta a "ética" dos jornalistas, quando o acusado é alguma pessoa "grande", do Ministério de Turismo ou algo assim. Ai, sim, se questiona a veiculação de fotos de "pessoas com a presunção de inocência". Estas, sim, merecem um jornalismo que voa acima da primeira classe, quando os acusados "comuns" podem receber a cobertura pau-de-arara.

A feira LABACE foi uma boa pausa. Me deu um pouco de luxo, um pouco de dinheiro, um pouco de ser bem-vindo e paparicado, tudo que o trabalho no caso Colina do Sol não dá. Deu também uma perspectiva nos colegas que acomodam ao lado da Autoridade, que aceitam a versão oficial como até melhor que a verdade.

Mas o trabalho aqui é mais importante, e estamos a volta no batente.

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